metropoles.com

Quando um Natal sem guerra? (por José Sarney)

Haverá um dia em que a indústria de armas será substituída pelos gestos de Paz

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto
Iluminação e decoração de Natal em Brasília
1 de 1 Iluminação e decoração de Natal em Brasília - Foto: BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

Há setenta e cinco anos — em 10 de dezembro de 1948 — a Organização das Nações Unidas fez o seu mais importante documento: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Resolução 217, pelo voto de 48 dos 58 membros da ONU, aprovou o texto redigido por uma comissão dirigida por Eleanor Roosevelt, viúva do grande presidente americano e um símbolo da luta pelos direitos civis. Foi escrita por grandes personalidades, como o nosso Austregésilo de Athayde, o canadense John Peters Humphrey, o libanês Charles Malik, o chinês P.C. Chang e o francês René Cassin.

A “Declaração” não é uma convenção e não tem efeito vinculante, de modo que ninguém a obedece. Se tivesse efeito vinculante, também não seria obedecida: nada é tão desrespeitado no Mundo quanto o que dizem as Nações Unidas.

Quando a “Declaração” foi aprovada, a Assembleia Geral determinou que fosse feita uma minuta de convenção que a exprimisse. Logo se decidiu desdobrá-la em dois pactos: um de direitos civis e políticos e outro de direitos econômicos e sociais. Esses pactos foram adotados pela Resolução 2200A, de 1966, mas só entraram em vigor 10 anos depois.

Em 28 de novembro de 1985 assinei Mensagem encaminhando ao Congresso Nacional a adesão do Brasil a estes dois pactos fundamentais e à Convenção Americana de Direitos Humanos — o Pacto de San José, de 1969, em vigor desde 1978 —, a que o Brasil ainda não havia aderido. Em agosto daquele ano de 1985, aliás, ao abrir a 40ª Assembleia Geral das Nações Unidas, eu assinara a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis ou Degradantes. Era um passo fundamental para afirmar o nosso respeito aos direitos humanos, e hoje esses pactos são garantidos por força do artigo 5º, LXXIX da Constituição.

A História dos Direitos Humanos é antiga, mas cheia de percalços. Durante milhares de anos a formação das sociedades ignorou toda situação universal. Os códigos da antiguidade definiam direitos para alguns grupos, inclusive crianças e mulheres — e até mesmo escravos —, mas as discriminações e punições eram bem mais amplas. Para comemorar o 20º aniversário da “Declaração”, a UNESCO editou uma coletânea de textos que se tornou um clássico. Ele reúne documentos filosóficos, religiosos e legais que tiveram influência na formação da ideia que viria a ser fixada em nosso tempo: a visão do outro, o valor da vida, a fonte e os limites do poder, a liberdade individual, a democracia, o direito de expressão, a igualdade perante a lei, o direito à educação, ciência e cultura, a proteção contra a escravidão e a violência — contra a força —, a identidade e a independência de países e povos, o direito natural etc.

O livro tem por epígrafe uma frase do grande jornalista e pensador argentino Mariano Moreno: “Qualquer déspota pode obrigar seus escravos a cantar hinos à liberdade.” É um aviso de que os Direitos Humanos, como quaisquer outros, podem ser usados para propaganda por pessoas que não os respeitam.

Para nós, cristãos, a História dos Direitos Humanos traz lembranças fundamentais neste sentido. Não há dúvida sobre a mensagem de Jesus Cristo. Os catecúmenos, em Roma, seguiam para o martírio sem resistência: o exemplo do desfazimento do gesto de Pedro resistindo com a espada não podia ser mais claro. Mas a Europa cristã foi um modelo de barbáries, culminando com as cruzadas e as guerras de religião, e um fundo de discriminação, violência, ódio. O mesmo retrato pode ser feito do islamismo e do judaísmo: a paz que a palavra sagrada traz é destorcida para virar violência que não respeita nem as bárbaras “leis de guerra”. E, com a diferença da complexidade da fé no resto do Mundo, a situação se repete universalmente.

Não preciso lembrar que a origem moderna dos Direitos Humanos está nas três grandes revoluções das potências ocidentais: a Gloriosa, inglesa, a americana e a francesa. As palavras de Jefferson, a Déclaration des droits de l’homme et du citoyen, as Bill of Rights inglesa e americana ecoam na “Declaração”, mas cada povo vê nela os mais altos postulados de suas raízes civilizatórias.

É, assim, por seu extraordinário efeito moral que a Declaração dos Direitos Humanos influencia a evolução da sociedade e lenta, mas paulatinamente vai sendo seguida. A violência — na guerra ou no crime comum —, a discriminação, a desigualdade de direitos recebem, cada vez mais, o repúdio universal.

Haverá um dia em que a indústria de armas será substituída pelos gestos de Paz. E poderemos nos juntar aos anjos para cantar na chegada do Menino: “Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra entre as pessoas de boa vontade.”

Feliz Natal a todos os nossos leitores!

 

José Sarney, ex-presidente 

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?