Proconsult, a fraude nas eleições de 1982 (Por André Gustavo Stumpf)
É uma lição para os dias de hoje e as discussões do momento
atualizado
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A distensão lenta e gradual, promovida pelo ex-presidente Geisel, deu passos efetivos em 1982. Foi neste ano que ocorreram as primeiras eleições livres e diretas para os governadores desde 1965. O Brasil vivia, na época, em pleno regime militar.
O bipartidarismo tinha sido extinto, em seu lugar surgiu uma floresta de partidos. Entre eles o Partido Democrático Trabalhista, PDT, de Leonel Brizola, que, como vários outros líderes exilados, havia retornado ao Brasil depois da anistia de 1979, assinada pelo presidente Figueiredo e articulada por Petrônio Portella, então Ministro da Justiça.
Leonel Brizola concorreu ao cargo de governador do Rio de Janeiro. O professor Darcy Ribeiro foi candidato a vice-governador na chapa. Para compensar a falta de quadros no PDT, um partido recém-fundado, Brizola comandou uma coligação de pessoas sem vínculos anteriores com a política profissional, como o líder indígena Mário Juruna, o cantor Agnaldo Timóteo e um número considerável de ativistas afro-brasileiros.
Ele batizou sua ideologia de socialismo moreno.
Vale a pena lembrar a eleição de 1982. É uma lição para os dias de hoje e as discussões do momento. Para ter sua vitória reconhecida, Brizola denunciou o que o Jornal do Brasil definira como tentativa de contabilização fraudulenta das cédulas da votação pela Proconsult – empresa privada de informática de propriedade de ex-funcionários do serviço de inteligência militar – contratada pelo Tribunal Regional Eleitoral para informatizar a fase final da apuração.
No início do processo de contagem dos votos, Arcádio Vieira, dono da Proconsult, estimou que Moreira Franco ganharia com vantagem de cerca de 60 mil votos. Estas projeções foram imediatamente repetidas e potencializadas por demais jornais e emissoras de televisão.
Conto esta história como participante dela. A TV Globo montou um programa, em São Paulo, ao vivo, para todo o país, chamado Show das Eleições, com quatro comentaristas. Cada um deles daria opinião sobre cinco ou seis estados.
Ficamos todos no estúdio de São Paulo acompanhando as apurações pelo computador. Portanto, à distância. No meu caso, tive o cuidado de viajar antes da eleição aos estados sob minha responsabilidade e conversar com os candidatos. No Rio, antes da eleição, me encontrei com Leonel Brizola, em seu apartamento na avenida Atlântica, ao lado de Roberto d´Ávila.
Em todos os cinco estados que estiveram sob minha responsabilidade as eleições e correspondentes apurações transcorreram normalmente. No Rio, não. Os computadores da TV Globo em São Paulo mostravam atrasos enormes, inexplicáveis. Não tinha conhecimento sobre as razões para aquela situação. Foi quando o JB denunciou a manobra. Havia um desvio na apuração. O voto era em cédula.
Em cada seção eleitoral havia a apuração manual que ao final produzia o mapa, com o resultado das urnas daquela região. Esse relatório era digitalizado pela Proconsult, que nele aplicava sorrateiramente um desvio padrão – ou seja, desvio de votos de Brizola para Moreira Franco.
Soube da história depois do ocorrido. Viajei ao Rio no auge da crise para entrevistar de novo Brizola, desta vez ao vivo. Ele estava uma fera. O diretor de jornalismo da TV Globo, Armando Nogueira, teve que entrar no meio da entrevista para defender os jornalistas (‘que têm passado e têm futuro’). Foi um escândalo na época.
Brizola foi eleito com 1,7 milhões de votos, 3,6% a mais que Moreira Franco.
Eleições por cédula são fontes de fraudes conhecidas desde o início da República. Falsificação de mapas não foi um caso isolado em 1982. É expediente antigo. Foi uma das causas da Revolução de Trinta. Getúlio Vargas aproveitou o argumento para governar por quinze anos sem promover nenhum pleito municipal, estadual ou nacional. Esta discussão, portanto, faz o país retroceder à metade do século passado.
Desde que o voto eletrônico foi introduzido, em 1996, no país nunca houve comprovação de fraude em eleições no Brasil. Em mais de duas décadas de atividade, o sistema coletou e apurou os votos de milhões de eleitores em 25 eleições gerais e municipais, com segurança e total transparência.
No último pleito municipal, em 2020, mais de 147 milhões de eleitores votaram em 400 mil urnas eletrônicas instaladas em 5.567 municípios. Tudo correu bem, ao mesmo tempo, em todo país.
Tom Jobim dizia que no Brasil sucesso é ofensa pessoal. A urna eletrônica, e seus defensores, têm que aguentar isso.
André Gustavo Stumpf escreve no https://capitalpolitico.com/