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Por que nem o jornalismo nem a poesia podem morrer (Por Juan Arias)

O jornalismo, hoje tão criticado, foi e sempre será, com todas as suas possíveis mudanças, o pão de cada dia do ‘Homo sapiens’

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Jornalistas acompanham ojJulgamento da ação em que o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pede a inelegibilidade de Jair Bolsonaro
1 de 1 Jornalistas acompanham ojJulgamento da ação em que o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pede a inelegibilidade de Jair Bolsonaro - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Chame do que você quiser. No papel ou na tela, lido ou ouvido, o jornalismo continuará existindo enquanto o ser humano não perder a curiosidade de ser informado ou o gosto de ser surpreendido.

O jornalismo, como a poesia, não pode morrer porque, como dizia o filósofo e Prêmio Nobel de Literatura François Mauriac , eles são “a oração matinal do homem secular”. A curiosidade existe até nos animais. Se não, pergunte aos meus gatos Nana e Babel.

Nosso mundo, com o advento da inteligência artificial (IA), vive um momento de crise existencial que eu não chamaria de extinção, mas sim de transferência do tempo. Uma mudança tão ou mais profunda do que quando surgiu a escrita, a roda, o motor, a eletricidade, o pouso na lua ou a energia atômica. E agora o mundo digital.

Das tabuinhas de barro da antiga Mesopotâmia aos pergaminhos, ou da revolução da escrita no papel com Gutenberg, o ser humano sentiu a necessidade de ler e aprender, de satisfazer a sua curiosidade, de decifrar o mistério. E continuará a fazê-lo em qualquer suporte que seja.

Um dia talvez possamos ler o jornal na parede do nosso quarto ou na palma da mão. Os suportes vão mudar, mas a nossa curiosidade de saber e interpretar as notícias, ler a vida, vai continuar intacta.

Às vezes me perguntam se não me arrependo de já ter trabalhado por mais de meio século em um jornal. Não, porque o jornalismo, hoje tão criticado, foi e será sempre, com todas as suas possíveis alterações, o pão de cada dia do Homo sapiens. Dizem que as redes vão matá-lo com suas notícias falsas, sua falsa liberdade de expressão, sua rapidez em dar notícias que os jornais não podem pegar porque precisam, se forem reais, verificar sua veracidade.

É curioso e sintomático que, quando alguém nos dá uma notícia importante hoje, imediatamente nos perguntemos onde a leu ou ouviu. Se foi nas redes ou num jornal ou rádio em cuja seriedade confiamos.

Aos jovens estudantes de jornalismo que hoje me perguntam se tal profissão ou ofício vale a pena, respondo que sim. Que talvez valha mais do que nunca, já que a notícia, a não manipulada, passa ainda incólume pelos jornais tradicionais, seja qual for o seu suporte, e diria mesmo a sua ideologia.

Neste momento acompanho a dura e triste guerra da Rússia na Ucrânia através das crônicas e análises de meus colegas que a vivenciam heroicamente no campo de batalha. Confio na sua seriedade e profissionalismo e que não tentarão enganar-me, o que nem sempre nas redes que não só são politizadas como tantas vezes explicitamente manipuladas.

Ao jornalista como tal, se é verdade que está preso às regras internas do seu Caderno de Estilo, muitas vezes é oferecida a oportunidade de experimentar a realidade em primeira mão. O jornalismo pode ser arriscado, mas também pode ser recompensador.

Depois de quase meio século de jornalismo tradicional e como correspondente deste jornal na Itália, no Vaticano e no Brasil, o que me permitiu várias vezes viajar pelo mundo, muitos insistem em eu escreva minhas memórias. Sempre recusei porque fazem parte do trabalho da minha profissão. E cada vida é uma história que merece ser contada.

Hoje, porém, queria contar um dos momentos do início da minha profissão que mais me marcou. Foi em 1980, durante o terremoto ocorrido na Itália, na Campânia e na Basilicata, com o triste saldo de 3.000 mortos, 7.500 feridos e 280.000 desabrigados, num lençol de território.

O fundador e então diretor deste jornal, Juan Luis Cebrián, me aconselhou a não ir ao local do terremoto por causa do perigo que representava. Eu o desobedeci. Eu estava em Roma, a duzentos quilômetros de Nápoles, de onde deveria ter voado para o local da tragédia ainda crua.

Minha decepção foi, ao chegar em Nápoles, não haver possibilidade de voar até o local do terremoto. Finalmente consegui um lugar em um helicóptero militar, mas sem radar e, portanto, perigoso. Eles enfatizaram para mim o quão perigoso era. Eu aceitei ir. Isso me permitiu experimentar os últimos tremores do terremoto por algumas horas, ouvir os gritos dos enterrados vivos e as casas desmoronar diante dos meus olhos. Além de observar o desespero das famílias que se procuravam como num gigantesco inferno na carne.

Na volta, o piloto do helicóptero militar me perguntou se eu poderia carregar no colo um menino de quatro anos que morrera no terremoto, e cuja família não fora encontrada.

O cadáver da criança viajava de joelhos, esperando chegar ao aeroporto de Nápoles e entregá-lo às autoridades que se encarregariam de encontrar sua família. Por respeito à criatura que nem em meus sonhos podereia esquecer, nunca quis escrever a história.

Hoje, às vésperas do meu 91º aniversário e de mais de meio século de jornalismo, gostaria, porém, como melhor presente, ter aqui, para almoçar ao lado de minha família e amigos, aquele menininho que pensei estar carregando morto de joelhos. Sim, porque o melhor da história é que depois descobri que no aeroporto os médicos que examinaram o menino descobriram que ele estava vivo. Ele havia sido salvo.

O jornalismo também é isso e por isso não pode morrer. Como os poetas não poderão morrer ou deixar de criar se não quisermos que o nosso mundo realmente se apague.

Somos feitos não só de lama bíblica, mas também do eterno desejo de que a notícia seja contada, ainda que às vezes doa com o eterno decálogo das clássicas perguntas: o quê, quem, como, quando, onde e por quê. Sim, mas sem mentir.

(Transcrito do El País)

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