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Por cima da lei (por Mary Zaidan)

Passa da hora de a Justiça dar um basta nos “acelera Bolsonaro”

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Cleber Caetano/Presidência da República
Presidente Jair Bolsonaro em motociata em São Paulo
1 de 1 Presidente Jair Bolsonaro em motociata em São Paulo - Foto: Cleber Caetano/Presidência da República

Na sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro voltou a torrar dinheiro dos impostos dos brasileiros para mais uma motociata, a 13ª em menos de um ano. Indiscutíveis atividades de campanha eleitoral, sem vínculo com qualquer ação de governo que justifique os gastos – segundo a Folha de S.Paulo, os passeios anteriores somaram R$ 5 milhões -, ele continua a fazê-las. Impunemente.

Impunidade, como se sabe, é estímulo para desvios, malfeitos ou crimes. No caso de Bolsonaro isso se eleva à enésima potência. Ele detesta cumprir leis, diverte-se em desafiá-las, ameaça usar mundos e fundos contra elas. Não raro terceirizando responsabilidades – a corrupção nos ministérios da Saúde e da Educação são as provas mais recentes disso -, negando o que todo mundo vê, invertendo o significado das coisas.

Sempre finge que nada é com ele. Faz das suas e se irrita com normas que o prejudicam desde as estripulias que o afastaram da carreira militar, quando planejou detonar bombas em quartéis para reivindicar reajuste salarial.

De lá para cá, acobertou-se por quase três décadas no manto da imunidade parlamentar para ganhar notoriedade com agressões homofóbicas, misóginas, de apoio escancarado à ditadura e à tortura. Além de golpes, erroneamente tratados como de pequeno porte, como o de manter apartamento funcional – “para comer gente”, como ele próprio explicou -, mesmo tendo residência em Brasília. Ou contratando funcionários fantasmas, como a agora notória Wal do Açaí, que em 15 anos de holerite jamais pisou no gabinete do chefe, nem para a posse. Caminho que ensinou à sua prole, perpetuando a indústria familiar das maravilhas das rachadinhas e de outros rolos.

Enriqueceu às custas da política do baixo clero e, no exercício da Presidência, divide com os seus o botim.

Na sua ótica, os adjetivos antônimos público e privado têm o exato sentido inverso. Lambuza-se com o dinheiro dos impostos dos cidadãos para a promoção pessoal e tenta esconder o que por lei é público. É só ver a quantidade de informações lacradas por 100 anos, incluindo até mesmo sua carteira vacinal, os encontros que teve com o mensaleiro Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido ao qual se filiou, e o número de vezes que seus filhos foram ao Palácio do Planalto.

Sem contestação legal, Bolsonaro colocou na rua a campanha pela reeleição no segundo dia de mandato – e acelerou. A utilização de recursos públicos para fins de sua promoção pessoal cresce em volume e intensidade de acordo com o calendário eleitoral. Fora os passeios de motocicleta, que agora devem replicar o esquema de São Paulo, com o candidato do coração ao governo do Estado à tiracolo, Bolsonaro tem intensificado os ataques a Lula nos palanques pelo Brasil afora.

Protege-se com o discurso gaiato de que não faz campanha eleitoral porque ninguém pede voto. Não é bem assim. Em entrevistas a rádios do interior a reeleição é tema recorrente. Em um palanque no Pará, chegou a mostrar ao público uma camiseta com os dizeres “Bolsonaro 2022”, algo terminantemente proibido. O modelito atual, que apareceu no passeio paulista, retira os dois primeiros algarismos, mantendo o 22, o número do PL, que estará estampado na urna eletrônica. Coisa de malandro. Se alguém questionar, dirá que se refere ao ano em curso.

A Justiça, incluindo a vertente Eleitoral, responsável por coibir abusos de poder e garantir isonomia entre os candidatos, nada faz. Deixa-o impune. E há tempos.

Quase todos os dias, Bolsonaro fere a impessoalidade do cargo, colocando-se acima das instituições. Diz que não ultrapassa “as quatro linhas” da Constituição, mas o faz com frequência, a ponto de já ter ameaçado em alto e bom som que não cumpriria ordem de ministros da Suprema Corte. Usa e abusa de uma visão torta de “liberdade” para justificar seus arroubos autoritários contra tudo que o desagrada: STF, TSE, urnas eletrônicas.

E inventou mais uma: garantiu que não vai cumprir a decisão do WhatsApp de só incluir a ampliação das mensagens em massa no aplicativo após as eleições, ação combinada com o TSE para reduzir o alcance de fake news. Só não explicou como pretende descumprir algo que não existe. Portanto, papo diversionista que tem ainda o condão de evitar que a boiada durma.

O interesse pelo tema não é gratuito, até porque ele é o principal beneficiário da geração de notícias falsas, parte delas de sua própria lavra. A começar pela insistência em dizer que não há corrupção em seu governo. Isso mesmo depois de se ver obrigado a afastar da Saúde o seu querido e obediente general Eduardo Pazuello pela folia das vacinas superfaturadas. Ou dos achaques dos pastores a prefeitos no âmbito do FNDE, que acabou por tornar insustentável o também fiel pastor Milton Ribeiro à frente da Educação.

Nos dois casos, há farta comprovação de que Bolsonaro nada fez para evitar o avanço dos assanhados contra o patrimônio público. Ao contrário: é suspeito de prevaricação no episódio das vacinas e de ser cicerone dos pastores lobistas, apresentados por Ribeiro em uma reunião que, para infelicidade de ambos, foi gravada.

Ainda assim, continua impune em todas as searas. Sob a proteção do fidelíssimo procurador-geral da República, Augusto Aras, e sem ação do Ministério Público Eleitoral.

Passa da hora de dar um basta, ou os “acelera Bolsonaro” – disfarçados ou não em Acelera para Cristo – vão se multiplicar.

Mary Zaidan é jornalista

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