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Pílulas da pandemia (por Tânia Fusco)

A vacina ainda é pouca. E negacionistas, abusados, seguem debochando e fugindo dela. Bordeando a beirada da terra plana

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1 de 1 Imagem colorida mostra várias pílulas coloridas - Metrópoles - Foto: Joshua Coleman/Unsplash

Duas para segurar a pressão em 12/13.  Outras duas para ajudar a dormir. Mais uma para controlar a ansiedade. Vitamina C, D e E. Mais colágeno, cálcio e suco verde. Gelatina. Banho de sol.

Uma hora de exercícios por dia – aeróbicos e de força.

Abrir janelas nas manhãs, fechar à noite. Aspirador para limpar poeira do chão, do peito.

Molhar jabuticabeira, limoeiros e a figueira.  Cuidar do jardim e da horta. Colher a couve miúda e verdinha. Cozinhar. Comer.

Meio dia foi embora. Hora do trabalho que paga contas, que era externo, agora solitário – no escritório atolado de livros, sempre por arrumar.

Computador aberto exibe notícias que se evitou ler no celular. O dia, que seguia normal, bucólico, azeda.

O gás subiu de novo. A pandemia não dá tréguas. Mais gente morrendo, mais contaminados. E um celerado propondo tirar às mascaras. Outra das ameaças do seu diário festival de perigosas besteiras. Intencionais. Maldosas. Danosas.

A vacina ainda é pouca. E negacionistas, abusados, seguem debochando e fugindo dela. Bordeando a beirada da terra plana, confiam no diabo da hidroxicloroquina, mas passam a conta da salvação pra Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nas comunidades do Rio de Janeiro há um paredon por dia, às vezes, mais de um. Não é diferente em São Paulo, Fortaleza, Recife… Os alvos são sempre os mesmos – pretos e pobres, sem importar idade, sexo ou crença. De preferência inocentes. Gente normal que podia ser eu ou você. Só a conta bancária nos distingue deles. Ainda.

Balas ditas perdidas nunca encontram os desencontrados. São muitos, mas escapam ilesos, livres e soltos. Desaforados de sempre que a História do Brasil, regularmente, guarda e ressuscita.

Antes do primeiro toque no teclado o olhar já busca o vidro de Rivotril. Duas gotas. Só hoje, pensa. A psi recomendou para as emergências.

O cotidiano brasileiro suscita emergências frequentes Avalanches de sobressaltos.  Em todos? Não. Só nos normais. Os que ainda se espantam com a convivência normalizada com o impensável que tem sido tão corriqueiro.

Dólar a 5,5 reais. Gasolina a 6 reais o litro. Gás a 110 – ou mais. Desemprego em 15% da força ativa do país. PIB sem fôlego. Inflação galopante dando força para a miséria e a fome. Fogo e motosserra comendo soltos na Amazônia e no Pantanal*.

Ciência, Cultura e conhecimento aviltados. Imprensa agredida. Milícias estabelecidas, conhecidas e legalmente armadas. Não combatidas.

Um presidente despreparado e muito mal intencionado. Governo desacreditado, mas imprudente. Desafiador.

480 mil mortos do covid.

Nós, os privilegiados com janelas para abrir, trabalho em casa, geladeira cheia, comida quente e farta, pílulas para aliviar dores e medos, Rivotril à mão, guardamos no forno nossa indignação? Só por hoje? Para ser digerida amanhã?  Para ser engolida a seco quando não der mais para reagir?

O Brasil segue mal e mau. Esfola e mata. Dói.

*Copia de parte da lista de desgraceiras atribuída a Manoel Teixeira, psiquiatra e professor da UFRJ, publicada nas redes sociais.

 

Tânia Fusco é jornalista 

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