Petróleo e a eleição (por André Gustavo Stumpf)
O petróleo é dinheiro líquido. Manda no mundo. Desmancha reputações e governos com facilidade. Não é bom Bolsonaro brincar com ele
atualizado
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O que seria motivo de festa, no Brasil é objeto de críticas pesadas feitas pelo presidente da República. A Petrobras, empresa estatal genuinamente brasileira, lutou durante décadas para descobrir petróleo, perfurar, e fazer a riqueza aflorar. Finalmente se concentrou apenas em seus objetivos e o resultado é espetacular: lucro de R$ 44,5 bilhões no primeiro trimestre deste ano. Os políticos foram afastados do caixa da empresa. Este resultado só foi ultrapassado por outra estatal, chinesa, que conseguiu lucro pouco superior no mesmo período.
As grandes, como Shell, Chevron, Exxon, BP e Total, tradicionalíssimas neste disputado mercado, tiveram resultados inferiores ao da brasileira. O presidente Jair Bolsonaro, contudo, ao invés de abrir uma garrafa de champanhe, disse que o resultado é pavoroso, um estupro na população brasileira que paga preço cada vez mais caro pela gasolina e pelo diesel. Os preços do combustível muito elevados despejam violenta carga inflacionária, que se espalha por toda a sociedade. A inflação passou de 12% ao ano.
O preço médio do barril de petróleo, no primeiro trimestre deste ano, foi US$ 101,4. Com petróleo em alta, o caixa da Petrobras agradece. E o governo recebe cerca de R$ 70 bilhões em royalties e impostos para investir em educação, saúde e outras áreas prioritárias do país. No entanto, existe a sensação de que o governo não revela o destino dessa segunda parte da mesma notícia. O dinheiro some no Tesouro Nacional. E não aparece em melhorias do sistema educacional, que aliás, foi escolhido pelo presidente para ser penalizado. Segundo seus interlocutores, é um antro de esquerdistas.
O elevado preço do combustível no Brasil resulta de diversos problemas. O primeiro, e o maior deles, é que o preço internacional do petróleo aumentou muito nos últimos meses, consequência da guerra na Ucrânia. A Rússia é o maior exportador mundial do produto. O embargo determinado pelos principais governos ocidentais teve óbvias repercussões no mercado internacional. O Brasil é autossuficiente. Mas não possui refinarias suficientes para processar o petróleo que produz. Então, o país exporta petróleo bruto e importa gasolina, diesel e outros produtos, cuja comercialização é realizada em dólar.
Os brasileiros pagam o preço do petróleo e pagam também o preço do dólar, que só chegaria a cinco reais “se fizermos muitas besteiras”, segundo declaração oficial do ministro Paulo Guedes. Chegou e ultrapassou cinco reais. Some-se a ele, impostos, preço internacional do petróleo e o lucro dos intermediários. Se o presidente Bolsonaro cometer a insanidade de tabelar ou tentar conter por meio artificial o preço do combustível, o país vai correr o risco de desabastecimento. Ou seja, o produto vai sumir do mercado. E a economia vai parar.
O Brasil experimentou greve de rodoviários no governo Temer. Até os aeroportos ficaram sem querosene para abastecer os aviões. O transporte de carga parou. Os economistas têm soluções. A primeira e mais fácil é subsidiar o produto. Mas subsídio provoca consequências. A conta chega algum tempo depois. Não é claro o motivo de o preço do etanol, o álcool combustível, subir nas mesmas proporções da gasolina. Álcool de cana ou de milho é produzido à farta no Brasil e seu ciclo, da produção ao consumo, é pago em reais. Na verdade, além de estrilar, reclamar ou xingar, o presidente da República e seus assessores não apresentam nenhuma alternativa. E não explicam o que acontece neste nebuloso mercado de combustíveis.
Resta a opção política. O presidente já demitiu dois presidentes da Petrobras, sempre com o objetivo de fazer barulho e trazer os preços para baixo. Não conseguiu. Agora, demitiu o ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque. Foi sacrificado em nome da ação política. Cargas ao mar. O presidente precisa oferecer bodes expiatórios à execração pública. De tempos em tempos, ele demite um. Agora, colocou na função o economista Adolfo Sachsida, auxiliar direto de Paulo Guedes. O aumento do preço do diesel implica em mau humor dos camionheiros e a possibilidade de greve da categoria.
Vale tudo para segurar o preço do combustível até outubro deste ano. Depois da eleição, as ideias ultraliberais do ministro Guedes, perfilhadas por Sachsida, poderão resultar na privatização da Petrobras, se Bolsonaro por reeleito. O petróleo é dinheiro líquido. Manda no mundo. Desmancha reputações e governos com facilidade. Não é bom brincar com ele. Nem tentar fazer jogo político. Tumultuar a eleição com objetivo de criar condições para um golpe de estado, no estilo Trump, é pedra cantada. Não deu certo lá, não dará certo aqui.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)