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Perigo à vista (por Mary Zaidan)

Disputas municipais ampliam o enfado da população com a política, com danos à democracia

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Imagem colorida de santinhos espalhados no chão durante as eleições municipais, em Águas Lindas (GO) - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de santinhos espalhados no chão durante as eleições municipais, em Águas Lindas (GO) - Metrópoles - Foto: BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

Com a escolha dos prefeitos das 51 cidades que foram ao segundo turno, o Brasil encerra neste domingo o vigésimo ciclo eleitoral pós-ditadura (9 federais e 11 municipais) carregando vícios no sistema, que privilegia candidatos com pedigree e dinheiro, e no conteúdo – sem propostas, sem programas. Um risco para o qual os políticos têm de tomar tento.

Por vezes, candidatos e eleitores parecem viver em planetas distintos. Ao eleitor são oferecidas denúncias, rixas, mentiras, disse-me-disse sobre os adversários e quase solução alguma para os problemas cotidianos.

Enquanto mais de três milhões de pessoas na cidade de São Paulo enfrentavam a aflição e os prejuízos do apagão de 11 de outubro, o candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB) e o desafiante Guilherme Boulos (PSOL) iludiam o eleitor com evasivas e acusações. Sem solução factível, o impossível descredenciamento sumário da concessionária Enel, pregado por ambos, foi o ludibrio encontrado pelas duas campanhas. Acusações de um lado e de outro – Nunes, o fraco, o corrupto da máfia das creches; Boulos, o extremista invasor de propriedades – completaram o cenário lastimável de um segundo turno para o qual se imaginava menor toxicidade depois da derrota de Pablo Marçal.

Climas surreais, longe das sempre desejadas e jamais alcançadas campanhas propositivas foram vistos em todos os cantos. Em Belo Horizonte, o candidato bolsonarista Bruno Engler (PL) foi buscar na obra literária ficcional Cobiça, publicada em 2020 pelo candidato à reeleição Fuad Noman (PSD), a acusação de que o adversário estimulava pornografia e pedofolia. Botou isso nas redes e no horário eleitoral de rádio e televisão. Embora Engler tenha sido punido, o estrago foi feito, e Fuad, com seus suspensórios e jeitão interiorano, se viu forçado a se defender. Metrô, limpeza pública, educação, saúde. Ora, falar disso para quê?

Em Curitiba, a disputa foi de quem estava mais à direita, a outsider Cristina Graeml (PMB) ou o vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD), que no segundo turno ganhou apoio de parte da esquerda e centro-esquerda. Por lá, Pimentel acusou Cristina de ocultar bens. Ela devolveu os dardos afirmando que o vice coagiu funcionários públicos a votar nele. Até a cloroquina esteve no cardápio da luta. Isso na cidade-modelo de soluções urbanas do Brasil, essas, agora, relegadas a segundo plano.

A briga direita versus direita extrema também se viu em Goiânia, onde o candidato de Bolsonaro, Fred Rodrigues (PL), disputa com Sandro Mabel (União), apoiado pelo governador Ronaldo Caiado, que já se colocou como opção para a Presidência da República em 2026. Flagrado na mentira sobre um diploma de Direito, negado pela PUC de Goiás, Rodrigo perdeu gás e até apoio dos fieis do ex na reta final. Mas continuou soltando cachorros.

Cuiabá e Fortaleza, capitais em que candidatos do PT e do PL repetem a polarização Lula versus Bolsonaro, têm disputas acirradíssimas. Nesta última semana de campanha, elas foram parar na Justiça. Não só na instância eleitoral, mas também na cível e criminal. Em Cuiabá, o candidato bolsonarista Abilio Brunini (PL) foi acusado de aporofobia (repúdio a pobres) depois de um vídeo no qual ele oferece passagens para moradores de rua irem para outro lugar. Em Fortaleza, o vereador eleito Inspetor Alberto (PL), militante ativo do candidato bolsonarista André Fernandes (PL), foi mais longe: ameaçou de morte o adversário petista Evandro Leitão: “prepara o teu caixão, vagabundo”.

São apenas alguns exemplos de como as campanhas eleitorais chegaram ao final. Um ambiente que afasta o eleitor não afeito a brigas de botequim. Isso se reflete na ampliação da abstenção e do voto nulo, no enfado da população com a política. Sem tirar nem pôr, é o pior dos mundos. Abre portas para oportunistas ainda mais nefastos do que já vimos em cena, desarranja a vida institucional e, no limite, endossa opções autocráticas.

Mudar o estado das coisas é pra lá de difícil, mas não de todo impossível. O atual arranjo ainda faz a alegria da maioria dos políticos de plantão, que engordam suas receitas e seu poder. Mas a fórmula não é eterna. O abuso foi tanto que a hora do basta tem vindo velozmente e de forma aniquiladora, com força até para eliminar a democracia junto com a água suja da bacia.

O primeiro sinal de esgotamento chegou com Bolsonaro, um falso outsider que usou a política para enriquecer a si e a sua família e, ainda assim, se elegeu como anti-sistema. Tem-se agora a ameaça Pablo Marçal como representante genuíno do anti-tudo, provando que o que está ruim pode piorar.

Mesmo desacreditada, a política é a única saída. Contados os últimos votos, é hora de colocar os adultos na sala para debater com seriedade o financiamento e as regras eleitorais, as emendas bilionárias por debaixo do pano, o dinheiro do pagador de impostos que escapa pelo ralo e para no bolso dos mais espertos.

Não há tempo a perder – sob pena de o país se perder de vez.

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