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Perdemos o maior humanista brasileiro (por José Sarney)

Neste domingo faleceu mais um querido amigo, Alberto da Costa e Silva. Fomos amigos por tantos anos!

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Foto colorida de homem de cabelos e barba brancos, vestido com terno e gravata - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida de homem de cabelos e barba brancos, vestido com terno e gravata - Metrópoles - Foto: Reprodução

A velhice é, dizia Norberto Bobbio, sobreviver. Essa palavra significa continuar vivo, mas também que outros estão mortos. E, quanto mais sobrevivemos, mais perdemos: pais, irmãos, parentes, amigos vão nos deixando sós, terrivelmente sós.

Neste domingo faleceu mais um querido amigo, Alberto da Costa e Silva. Fomos amigos por tantos anos! Tínhamos a afinidade intelectual da literatura, do gosto dos livros, de uma visão de mundo. Tínhamos laços de origem: ele era paulista, mas, filho de piauiense, neto de maranhense, sentia-se ligado ao Parnaíba, cantado por seu pai, o poeta Da Costa e Silva, em Saudade: “Parnaíba — o velho monge / as barbas brancas alongando… E, ao longe / O mugido dos bois da minha terra…”

Diplomata, tinha uma vida errante, mas Vera, sua mulher —que era sobrevivente —, e ele, Marly e eu, nos víamos muito enquanto estavam em Brasília. Partilhávamos amizades, como com Odylo Costa, filho, Herberto Sales, Carlos Castello Branco, Hindemburgo Dobal — saudades que se acumulam, e como pesam —, Marcos Vilaça. Depois, morando no Rio, uma das razões para fazer o caminho era poder conversar com ele, ter o privilégio de sua presença.

Alberto foi um intelectual completo. Grande diplomata, com uma carreira exemplar, era poeta, historiador, memorialista, ensaísta. Sua obra sobre a África — A Enxada e a LançaA Manilha e o LibamboUm rio chamado AtlânticoFrancisco Félix de Sousa… — é absolutamente indispensável para quem queira entender não só a relação entre o continente e o Brasil, como a própria África, e é referência acadêmica universal. Foi uma revolução: não havia nada de profundo sobre essa ligação, nada que compreendesse todas as nuances da multiplicidade de culturas e de nossa herança, nada que mostrasse a escravaria — palavra que ele ressuscitou — além dos números ou da emoção, nada que desse toda a dimensão humana do africano.

Sua poesia, de extrema sensibilidade, bastava como linhagem. Havia nela pleno domínio da língua, da música, como neste fecho de soneto para Vera: “…sabemos o amor ser o que em nós / aspira ao oceano e às estrelas / e faz da morte um cisco sobre a mesa.” A forma muitas vezes exigia a leitura do texto escrito para a completa apreensão das linhas, equilibradas com avanços e recuos que não podem ser expressos em voz alta.

Seus livros de memória, Espelho do Príncipe Invenção do Desenho, são admiráveis. Estão ao lado dos de Pedro Nava, Gilberto Amado, Afonso Arinos, Zélia Gattai como modelo de escrita e conteúdo. Mas os ultrapassa em sua visão permeada de poesia: “O menino sentia o sol na pálpebra. Doía-lhe a cabeça. Era como se uma colher escavasse a órbita espicaçada pela luz, para trazer na concha, o olho.”

Foi, durante meu governo, nosso embaixador em Lisboa, onde teve contato fácil com os escritores e os artistas, além, naturalmente, do mundo político, como Mário Soares, José Carlos Vasconcelos, João Gaspar Simões. Representara o Brasil também em Lagos, onde pode enriquecer sua paixão pelo estudo da África, e serviria depois em Bogotá e Assunção, sempre com a excelência que punha em todas as coisas.

A literatura brasileira perde um dos seus expoentes máximos, senão o maior. Eu sobrevivo. Sob o peso do vazio, das ausências que, cada vez mais, doem asperamente, doem.

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