Pequeno dicionário do Brasil (por Gaudêncio Torquato)
Aventuro-me a apresentar o dicionário do Brasil que chega ao final de 2024
atualizado
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Aventuro-me a apresentar o dicionário do Brasil que chega ao final de 2024, desejando a todos os meus leitores Votos de um Feliz Natal e Próspero 2025.
A
Autoridade – Essencial para o exercício do Poder e o governo do Estado. No Brasil, tornou-se sinônimo de caciquismo, coronelismo, mandonismo, familismo, filhotismo, assistencialismo, patrimonialismo.
B
Bala – É o que não falta aos grupos armados, cujo estoque de armamentos é dos mais modernos e poderosos. Balas perdidas no RJ matam crianças. Conceito de “munição” de campanha política. Exemplos de locuções: “faltou bala; o candidato tem ainda muita bala”.
Bíblia – Manual mais lido nos cárceres brasileiros, que funciona como uma espécie de “ponte” entre pastores de credos e seitas religiosas e detentos. Disponível em mesinhas de criados-mudos de hotéis do Interior do país.
C
Corrupção – Desvio amoral e aético que está impregnado na alma brasileira, decorrente de heranças coloniais.
Crise – Um dos mais recorrentes termos do vocabulário nacional. De tão constante na vida das pessoas, deixou de causar medo.
D
Deus – Uma das expressões mais usadas para designar perplexidade, espanto, indignação, admiração, incredibilidade, descrença. Vem geralmente acompanhada do termo “do céu”. Lula seria Deus.
Diabo – Imprecação comum no cotidiano dos brasileiros, geralmente destinada a mandar outra pessoa para o reino dos infernos. O mercado é diabo, Lula é Deus.
Dólar – Referência diária para interpretar a fragilidade nacional. Um dólar vale R$ 6,30.
E
Empurrar com a barriga – Adiar, protelar decisões, levar devagarzinho, dando a ideia de que a coisa está andando sem avançar, do tipo patinando numa esteira
Executivo – Expressão mais conhecida para designar profissionais bem-sucedidos e com boa remuneração no mercado. Na esfera política, o Executivo é o mais visível dos Poderes.
F
FDP – (Filho/a da…) – Imprecação mais comum contra adversários, inimigos, opositores ou pessoas que fizeram alguma maldade ao interlocutor. Expressa raiva, ódio, indignação, condenação, desprezo etc.
Futebol – Paixão nacional, motivo de alegrias e tristezas. Ao lado do carnaval, é uma das grandes alavancas de mobilização de massas.
G
Gosto – O brasileiro tem gosto para tudo. Não há homogeneidade na escala dos gostos nacionais. As diferenças não se apresentam apenas no plano estético, mas na esfera dos alimentos, da música, dos perfis admirados, das belezas naturais.
H
Hilário – O brasileiro gosta de rir. Tira motivos para rir até em velório. Entre uma coisa séria e uma hilária, esta é a preferida pela alma nacional.
Hino (Nacional) – Mais conhecido e recitado nas primeiras estrofes. Como é longo, costuma-se, ao final, balbuciá-lo, numa espécie de mentirinha para se dizer que a pessoa sabe cantar o hino todo.
I
Igreja – Historicamente, conceito associado à Igreja Católica. Ultimamente, termo mais associado às seitas religiosas ou à Igreja Universal do Reino de Deus e outros credos.
J
Jeitinho – Capacidade de driblar situações para conseguir atingir metas e objetivos.
Judiciário – Fonte de poder e mando, espaço de tradição e credibilidade. Nos últimos tempos, a identidade incólume de instituição sagrada passou a frequentar a agenda de desconfiança dos brasileiros.
L
Ladrão – Palavra muito usada do vocabulário nacional. Termo aplicado aos juízes de futebol e, com mais força, aos políticos
M
Mãe – Tronco familiar dos mais respeitados no país, servindo, paradoxalmente, ao maior conjunto de imprecações da linguagem cotidiana das ruas. “Filho de uma mãe”, intenção de dizer que o interlocutor não é bem filho de uma mãe.
Massas – Contingentes amorfos, que agregam letrados ingênuos a iletrados sofridos, bafejados pelos candidatos de quatro em quatro anos.
N
Nação – Está longe de ser implantada, quando se considera a identificação com Pátria e valores.
Natureza – O tema dos próximos tempos. Expressão que começa a tomar vulto nas consciências de grupos de classe média e entidades de defesa do meio ambiente.
O
Obrigação – O brasileiro cultiva a obrigação quase na marra.
Ordem – É uma coisa que pouco se vê nos espaços nacionais.
P
Paixão – Sentimento muito peculiar ao caráter brasileiro. Cada coração abre espaços enormes para abrigar ciúmes, casos conflituosos, pequenas raivas do cotidiano ou discursos eloquentes em defesa do time predileto.
Progresso – Ao lado da Ordem, trata-se de pedaço do ideário que povoa o imaginário nacional. Como o Progresso está demorando, a sensação é a de que o termo denota a falta de seriedade.
Q
Quase – Assim como o “mais ou menos”, o quase traduz a mania do brasileiro de querer permanecer na esfera intermediária. “Quase acertei”, “fulano quase se elegeu”, “o time quase ganhou”.
R
Razão – Fator em crescimento na ordem dos valores sociais. A taxa de racionalidade cresce.
Renda – Fator de grande disparidade social. Quase 40% da população brasileira vivem abaixo da linha de pobreza.
S
Segurança – Preocupação permanente dos brasileiros, forte determinante do PNBinf (Produto Nacional Bruto da Infelicidade). Tema central da campanha de 2026. Valor em queda no mercado de valores.
T
Terra – É o que não falta ao país. E é das coisas mais reclamadas por imensos contingentes. Um país de muita terra com muita gente sem-terra.
U
União – A união é um dos mais fortes ícones da brasilidade. No capítulo da sociedade, o abismo entre as classes sociais denuncia a intensidade da desunião e da desigualdade.
Urna – Lugar sagrado onde o eleitor guarda sua arma, o voto. Urna eletrônica, lugar considerado seguro. Mas há quem questione.
V
Valeu – Tempo verbal que funciona mais como interjeição de aprovação, quando um dos interlocutores, em agradecimento ou reconhecimento, abre a palavra para anunciar o célebre: valeu
Vício – É coisa muito comum na vida do brasileiro, a partir do vício de fumar, de andar com o braço na janela do carro, de desobedecer a leis e códigos.
X
Xingar – Mania frequente dos cidadãos. Xingar a mãe é a coisa mais comum.
Z
Zorra – Bagunça, tem muito a ver com algumas situações nas administrações públicas (esferas federal, estadual e municipal).
Gaudêncio Torquato é Professor Emérito da ECA-USP e consultor político