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Paz para os Yanomami (Por Lúcio Flávio Pinto)

A história dos indígenas no Brasil é marcada pela violência, desumanidade, incompreensão, contradições e paradoxos

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1 de 1 imagem colorida do presidente Lula em Roraima - Metrópoles - Foto: Ricardo Stuckert/Secom

No seu tumultuado semestre na presidência da república, em 1961 Jânio Quadros criou o Parque Indígena do Xingu, considerado a maior e uma das mais famosas terras indígenas do gênero no mundo, com 2,6 milhões de hectares, que se tornaria lendário e assumiria a linguagem literária com o romance “Quarup”, do jornalista Antônio Callado (que esteve no parque), publicado seis anos depois. O projeto precisou de 20 anos para se concretizar, enfrentando resistências de toda ordem.

Ainda mais feroz foi o combate contra a criação de outra terra indígena, milhares de quilômetros a noroeste do Xingu. Mesmo assim, ela foi criada, 60 anos depois. Com 9,6 milhões de hectares, era três vezes maior do que a reserva do Xingu. Ao contrário do que queriam seus inimigos, ela ocupou uma área contínua. Os que tentaram impedi-la de existir, só admitiam que fosse descontínua, um arquipélago fundiário. Seria mais fácil de existir.

Desta vez, contra todas as previsões, a Terra Indígena Yanomami foi homologada pelo presidente Fernando Collor de Mello, aceitando ato assinado pelo ministro da Justiça, a autoridade maior no trato institucional do governo com os indígenas, através da Funai. Foi o coronel da reserva do exército, ex-governador, ex-ministro e ex-senador Jarbas Passarinho, que iniciou sua carreira política depois do golpe militar de 1964.

A história dos indígenas no Brasil é marcada pela violência, desumanidade, incompreensão e também por contradições e paradoxos. Interessa à sociedade envolvente e dominante em episódios. Passado o motivo para um interesse maior, retorna a mesma prática violenta e a mesmo omissão. A sorte dos ocupantes ancestrais do Brasil passa a depender de circunstâncias.

Quem menos quer mal (sem deixar de manter seus preconceitos) aos indígenas defende a sua integração à “civilização” – cuidadosa ou compulsória. Não interessa a conclusão de alguns dos mais importantes antropólogos brasileiros de que o indígena não consegue se integrar a uma sociedade de classes, mas também, uma vez promovida a “aculturação”, não recupera a sua identidade étnica. Vira um pária.

Foi assim que o governo Bolsonaro o considerou e tratou. Foi o que causou o pior dos males aos Yanomami. Não com o deliberado propósito de os exterminar de vez, num genocídio planejado. Mas impor-lhes a presença de garimpeiros, madeireiros, mineradores e quem mais quisesse se instalar na vasta área na fronteira de Roraima e do Amazonas com a Venezuela. O que levaria a um morticínio do mesmo jeito. Bolsonaro anunciou explicitamente e fez o que pôde para executar o que pretendia: acabar com a inviolabilidade de todas as áreas indígenas. Os indígenas teriam o direito de fazer acordo com os exploradores das suas terras, que lhes ofereceriam dinheiro e bens materiais. Mas não de fechar as portas. Teriam que virar “civilizados” de súbito.

O caso Yanomami é de extrema complexidade. Sua população se estende entre o Brasil e a Venezuela. Antecedendo a existência dos dois países, as fronteiras são uma abstração para eles até hoje. A geopolítica por trás dos governos e as histórias fantasiosas sobre seus recursos naturais, principalmente ouro e cassiterita, por ora, lhes são estranhas. Um campo de batalha. Durante a década de 1980, estima-se que 40 mil garimpeiras invadiram a reserva e que 1,5 mil indígenas morreram, inclusive de fome, dadas as condições desfavoráveis em parte do seu território para a produção de alimentos.

O fator ainda mais escandaloso nas últimas semanas foram as inéditas imagens de crianças em estado de extrema desnutrição e doenças. O choque se derivou tanto da condição dessas pessoas como da desinformação da sociedade sobre essa tragédia humanitária. No entanto, não faltaram informações transmitidas pela imprensa, mesmo que episódicas, nem testemunhos dos próprios Yanomami. Só quando o principal responsável por essa tragédia já não estava no país é que os brasileiros se deram conta de que abrigavam uma situação tão chocante e repulsiva.

Uma das vozes mais autorizadas e fortes do povo Yanomami se fez ouvir, a de Davi Kopenawa. Eu o conheci em Paris, em 1990, na sessão sobre a Amazônia do Tribunal Permanente dos Povos, antigo Tribunal Bertrand Russell. Na ocasião, ele apresentou um texto. Passados tantos anos, as queixas que fez são as mesmas. Indicando que o tratamento contra os Yanomami também é o mesmo. Ora mais graves, agora como nunca. Ora menos explícito e agressivo. Ao contrário o que se esperava, a oficialização da reserva, a maior do país, não lhes trouxe a paz, pela qual tanto anseiam para viver como querem.

Lúcio Flávio Pinto https://amazoniareal.com.br/

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