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Os trópicos e as novas guerras frias (por Marcos Magalhães)

As eleições presidenciais dos Estados Unidos e a Cúpula do G-20, no Rio de Janeiro

atualizado

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Biden e Trump
1 de 1 Biden e Trump - Foto: Getty Images

Apenas seis meses nos separam de dois eventos que ajudarão a moldar o cenário global das próximas décadas: as eleições presidenciais dos Estados Unidos, em 5 de novembro, e a Cúpula do G-20, no Rio de Janeiro, duas semanas depois. E que mundo surgirá daí?

Como país anfitrião da reunião de chefes de Estado e de governo das vinte maiores economias mundiais, o Brasil vai fazer todo o possível – como país emergente e como potência ambiental – para contagiar a agenda com algumas cores do Sul Global.

Isso significa incluir entre os principais temas a luta contra a pobreza, que ainda afeta grande parte das populações de continentes como a África e de regiões como a América Latina, e o auxílio tecnológico e financeiro de países ricos para a transição energética.

Para quem enxerga o mundo por meio de uma grande angular e percebe o planeta como um todo interdependente, uma agenda como essa faria todo o sentido. Sem redução da pobreza e sem ajuda à transição, os riscos de instabilidade global tendem a crescer.

Os principais líderes globais, porém, têm se acostumado, nos últimos anos, a ajustar o foco de seu olhar a regiões onde se concentram seus principais interesses, sejam econômicos ou de influência política.

Poucas vezes, como agora, o planeta – sob risco de aquecimento potencialmente capaz de mudar nossas condições de vida – precisou tanto de cooperação. E também poucas vezes estiveram tão distantes os líderes das principais potências globais.

Existe ainda um risco, nada desprezível, de que o cenário global se torne mais instável, caso os eleitores dos Estados Unidos resolvam enviar mais uma vez à Casa Branca o ex-presidente Donald Trump, partidário de um isolacionismo capaz, por exemplo, de retirar seu país do Acordo de Paris sobre a mudança climática.

Os contornos desse novo mundo em formação são o tema de um livro que acaba de ser lançado nos Estados Unidos – “As novas guerras frias: a ascensão da China, a invasão russa e a luta da América para defender o Ocidente”.

O livro foi escrito pelo jornalista David Sanger, ganhador do prêmio Pulitzer e especialista do The New York Times para temas de segurança nacional. Em entrevista a Ian Bremmer, diretor da consultoria Eurasia, ele previu um mundo cada vez mais competitivo.

“Nós estamos de volta a um período de competição de superpotências, que provavelmente se manterá por décadas”, disse Sanger. “E, se tivermos sorte, permanecerá como uma guerra fria”.

Para todos os que não viveram o período da primeira Guerra Fria, o mundo inteiro acompanhava com tensão a permanente disputa entre as duas maiores potências nucleares, Estados Unidos e União Soviética. Mas sabia, também, que dificilmente alguma delas se atreveria a apertar primeiro o botão.

Agora são três os países envolvidos nas novas guerras frias descritas no livro. Além de Estados Unidos e Rússia, sucessora da antiga União Soviética, existe a China – país com o qual os norte-americanos têm grande interdependência econômica.

Para o autor do livro, as autoridades americanas acreditaram que os ganhos econômicos obtidos pela Rússia, com a venda de petróleo e gás, e pela China, com as exportações de produtos industriais, tornariam secundárias suas ambições territoriais e limitariam seu desejo de competição com os Estados Unidos.

“Foi, talvez, o maior erro de inteligência dos últimos 30 anos”, definiu Sanger. A seu ver, a inteligência americana também errou “completamente” ao prever que o então novo presidente da China, Xi Jinping, focaria sua atenção na economia doméstica e que não desafiaria o Ocidente ou Taiwan.

Agora, prossegue o autor, Xi vive o melhor dos mundos ao ver os Estados Unidos envolvidos com a guerra na Ucrânia e com nova crise no Oriente Médio. “Era disso que eles precisavam”, opinou Sanger, referindo-se aos chineses.

Em outras palavras, a mensagem do livro é a de que Rússia e China estão aproveitando todas as brechas possíveis para se fortalecer, ao longo do tempo, nessa crescente competição com os Estados Unidos.

E países como o Brasil, como ficam nisso? Como anfitrião do G-20, o país teria muito a ganhar se, até o final do ano, houvesse algum tipo de trégua, hoje improvável, nos dois principais conflitos internacionais: na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Até para que se pudesse dedicar mais tempo e atenção a temas de cooperação.

Como nação emergente do chamado Sul Global, o Brasil, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também procura ocupar os espaços que se abrem no cenário global – para reforçar suas pautas de desenvolvimento sustentável e inclusão social.

Não parece ser uma tarefa muito fácil. E, internamente, crescem, à direita e à esquerda, movimentos destinados a levar o país a assumir mais claramente uma posição na nova guerra fria que se anuncia.

De um lado, a extrema direita mantém a sua intransigente defesa de uma aliança com os Estados Unidos e Israel. De outro, a esquerda mais ortodoxa defende um mundo multipolar e uma maior aproximação com Rússia e China.

A disputa política interna no Brasil, assim como tem acontecido nos Estados Unidos, pode acabar exercendo influência sobre os rumos futuros da política externa do país.

Se aumentar a temperatura dessa disputa interna, também crescerá a pressão para que Brasília defina mais claramente em que posição se coloca na disputa global.

A opção emocional por um lado na nascente guerra fria tende a ser uma escolha pouco sábia. Pode confortar corações mais partidários, mas terá pouco a acrescentar na tentativa de colocar em prática uma agenda mais coerente com os interesses de países emergentes como o Brasil.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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