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Os nazistas de sexta não são o 25 de abril de sábado (por Carmo Afonso)

Vi muitos a torcer pelo grupo Wagner e até por uma guerra civil na Rússia. Quase que houve uma festa e bonita. É o que temos

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Stringer/Anadolu Agency via Getty Images
Combatentes de Wagner nas ruas depois que o grupo paramilitar Wagner assumiu o controle da sede do distrito militar do sul da Rússia em Rostov-on-Don 1
1 de 1 Combatentes de Wagner nas ruas depois que o grupo paramilitar Wagner assumiu o controle da sede do distrito militar do sul da Rússia em Rostov-on-Don 1 - Foto: Stringer/Anadolu Agency via Getty Images

Os acontecimentos deste fim de semana foram surreais. As interpretações dos comentadores foram no sentido em que costumam ir: Putin saiu enfraquecido e a tentativa de motim, e a forma como foi resolvida, foi favorável à Ucrânia.

Nesta guerra a justiça está no lado do povo ucraniano e reconhecer isso é incontornável. Estranho é que sirva de pretexto para uma leitura da realidade em que é preciso interpretar cada facto e acontecimento como constituindo mais uma derrota para a Rússia e mais uma vitória para a Ucrânia. Nunca a exigência de adesão à propaganda de guerra foi tão clara. É obrigatório ter sempre, e em cada momento, uma opinião e essa opinião não pode contrariar uma versão otimista dos factos.

Poderei já ter irritado os do costume. Não era a intenção, mas também não faço por evitar que aconteça. Parece-me justo, e sério, assim. Desta vez, peço-vos que continuem a leitura.

Vou convidar-vos a fazerem um exercício.

Imaginem que Prigozhin [Prigojin na versão portuguesa] e Putin são amigos. Esta parte não é difícil. Reparem que – entre todas as denúncias e acusações contra o regime russo – Prigozhin nunca atacou ou visou Putin. Colocou-o sempre numa posição em que estava a ser enganado pelo Ministério da Defesa russo ou por altas patentes do Exército. Este homem avançou em direção a Moscovo com uma coluna militar, mas, nas suas intervenções, nunca se atreveu a criticar Putin.

Sendo amigos, ou cúmplices, imaginem que combinaram esta encenação como forma de deslocar mercenários do grupo Wagner, armados e com meios para invadir um território e depor um regime, para a Bielorrússia. Debaixo dos nossos olhos, a coluna militar avançou para a Rússia e, sem derramar uma gota de sangue, recua e desmobiliza.

Ainda no final do ano passado o PÚBLICO noticiava a possibilidade da entrada da Bielorrússia na guerra. Certo é que muitos milhares de soldados russos estão naquele país a fazer exercícios militares e certo também que a Rússia deslocou para aquele território o sistema de mísseis Iskander e sistemas de defesa antiaérea S400.

Para concluir, agora imaginem que estão a postos os meios humanos e o arsenal militar suficiente para fazer uma nova ofensiva na Ucrânia. A verdade é que não precisam de imaginar esta parte. Pode ser verdade. O grupo Wagner, milhares de soldados russos e material militar estão mais perto de Kiev – e eventualmente de Kharkov [Cracóvia] através de Belgorod – do que nunca.

Não estou a dizer que é esta a explicação para os acontecimentos surreais deste fim de semana. Até pode dar-se o caso de ser mesmo verdade que o líder do grupo Wagner quis avançar em direção a Moscovo para desafiar Putin e que este, através de Lukashenko, tenha negociado com ele e que lhe tenha concedido, e aos seus homens, o indulto que ouvimos. Não trago informação privilegiada. Ninguém a tem. Era um exercício para mostrar que pode estar a escapar-nos alguma coisa ou quase tudo.

Existe um profundo desconhecimento daquilo que se passa na Rússia e no regime de Putin. Temos de concordar nisto. Qualquer que seja a explicação para aquilo a que assistimos este fim de semana, ela contém sempre está premissa: desconhecemos o que se passa ali. Tudo é imprevisível. Uma análise séria deveria começar por admitir que é assim, em vez de dar certezas peremptórias acerca do significado do que vimos ou das respetivas consequências. São puras especulações todas as explicações que nos foram apresentadas. Estamos a interpretar o que pode ser um teatro de sombras e, nesse caso, a cumprir rigorosamente o papel que nos foi dado: o de tirar conclusões erradas.

Este fim de semana tivemos uma pequena amostra daquilo que nos separa, como povo e como sistema político, da Rússia. Quer tenha sido real, quer tenha sido uma encenação, estamos perante um universo paralelo. Não sei se alguém entre nós está apto a fazer de intérprete da realidade russa e a torná-la inteligível e lógica. Tenho sérias dúvidas que sim.

Mas vi muitos a torcer pelo grupo Wagner e até por uma guerra civil na Rússia. Os nazis de sexta já eram o 25 de abril de sábado. Quase que houve uma festa e bonita. É o que temos. Também não somos inteligíveis e lógicos.

(Transcrito do PÚBLICO)

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