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Os amigos da onça na transição energética (por Felipe Sampaio)

O impacto dos canteiros de energia eólica instalados na caatinga que podem aumentar o risco de morte das onças

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Edecarlo Leite/Arquivo pessoal
Foto colorida de uma onça parda nadando - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida de uma onça parda nadando - Metrópoles - Foto: Edecarlo Leite/Arquivo pessoal

Entre os aspectos críticos que compõem o cenário do aquecimento global em curso, certamente a produção de energia se destaca pela sua importância para o futuro da vida moderna (ou para a inviabilidade dele).

Nesse campo, até mesmo os empreendimentos de energia ‘limpa’, incentivados para a redução da pegada ambiental humana, carregam em si a contradição de impactar o próprio meio ambiente, sob ângulos inesperados. No debate das fontes de energia, cobre-se um santo para se descobrir outro.

É preciso reconhecer que, em um mundo que será habitado por uns 10 bilhões de pessoas daqui a 50 anos, não será fácil prover energia sem afetar a natureza, se persistir o modelo de consumo predominante, as tecnologias disponíveis e a vontade atual.

No meio dessa discussão, é justamente no sertão nordestino do cangaceiro Riobaldo que surge um exemplo surpreendente do quanto a natureza é frágil, mesmo diante dos esforços de transição energética que se procura implementar.

É o caso do belo Projeto Amigos da Onça (amigosdaonca.org.br), que tem alertado justamente para um impacto dos canteiros de energia eólica instalados na caatinga que podem aumentar o risco de morte das onças, pardas ou pintadas, nesse bioma. Os felinos, já ameaçados de extinção, acabam alongando sua caminhada até as escassas fontes de água do sertão baiano para contornarem os enormes parques eólicos.

O problema é geral. Mesmo as hidrelétricas, que representam a principal matriz de produção energética do Brasil, acabam por afetar seu entorno, exigindo estudos profundos e planejamento cuidadoso (e polêmico) para sua construção e operação, como em Sobradinho, Belo Monte e Itaipu.

Também é objeto de controvérsia o uso de energia nuclear, pelos motivos demonstrados, por exemplo, nos episódios de Chernobyl e Fukushima (para não falar do desafio de descarte dos seus resíduos).

As repercussões negativas dos modelos inovadores de produção de energia alcançam até os sutis painéis solares e as harmoniosas usinas de produção de energia a partir de ondas do mar. Não há ação humana sem pegada.

No fim das contas, as perguntas são as mesmas que rondam as discussões em outros setores de atividade em larga escala, como a produção de alimentos, a mineração ou os transportes. Dá tempo mitigar a mudança climática? É possível adaptar-se às novas realidades? Existe tecnologia disponível? Quem se dispõe a pagar a conta?

Não era à toa que Riobaldo em Grande Sertão: Veredas insistia em que “viver é muito perigoso”. O autor Guimarães Rosa, que não era um ‘amigo da onça’, parecia prever o tamanho do desafio que a mudança climática viria a nos impor.

 

Felipe Sampaio: chefiou as assessorias dos ministros da Defesa e da Segurança Pública; cofundador do Centro Soberania e Clima; foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife; atual diretor do SINESP no Ministério da Justiça e Segurança Pública.

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