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ONU: guerra e paz (por Marcos Magalhães)

A guerra contagia o ambiente onde se encontrarão mais de cem estadistas

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1 de 1 pai-preso-menina-desenho-contra-guerra-russia-ucrania-guerra-na-ucrania (1) - Foto: Redes sociais

Uma grande maquete do edifício sede da Organização das Nações Unidas, com a indicação exata dos painéis Guerra e Paz, aguarda os visitantes da exposição Portinari Raros, no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília.

Os painéis, aos quais o artista brasileiro Cândido Portinari dedicou cinco anos de trabalho, estão desde 1957 na sede da ONU, em Nova York. O primeiro, Guerra, logo à entrada da Assembleia Geral. O segundo, Paz, à saída do plenário. Como se a guerra pudesse se transformar em paz.

Há mais de seis décadas as imagens recebem chefes de Estado e de governo, como ocorre a partir desta terça-feira. Os dois painéis têm as mesmas grandiosas medidas: 14 por 10 metros. A julgar pelo ambiente que precede a 78ª sessão da Assembleia Geral da ONU, porém, o tema do primeiro deles parece adquirir uma dimensão muito maior.

A guerra contagia o ambiente onde se encontrarão mais de cem estadistas – com as ausências marcantes dos presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping. Não tanto pelos conflitos que matam e desalojam milhares na África. Mas principalmente pelas trocas de tiros que há mais de um ano atormentam o leste da Europa.

Desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia, em fevereiro de 2022, analistas se dedicaram a estudar o que poderia vir a ser a semente de uma nova ordem mundial. Os debates extravasaram os limites das universidades e estimularam paixões políticas.

Os países ocidentais e seus aliados ao redor do mundo lembram – com base em fatos dificilmente contestáveis – que a guerra foi uma iniciativa de Vladimir Putin. Uma invasão militar que agride as normas internacionais.

À esquerda, mas também à direita, existem os defensores de Putin, para os quais o presidente russo nada mais fez do que se proteger de uma inevitável – embora sem data marcada – adesão da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Os adeptos do presidente russo estendem a sua simpatia ao aliado Xi Jinping – os dois principais ausentes da Assembleia Geral deste ano. E vêm na aliança a principal aposta no estabelecimento de um mundo multipolar, em contraposição à ordem unipolar liderada pelos Estados Unidos.

Diante da ausência de Putin e Xi, as grandes estrelas do encontro na ONU devem ser o presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, e dos Estados Unidos, Joe Biden. Tanto por seus pronunciamentos no plenário como pelo encontro bilateral para tratar da guerra.

O discurso do presidente do Brasil, como de costume, abre os trabalhos da Assembleia Geral. E Luís Inácio Lula da Silva quer mostrar ao mundo o oceano de diferença entre ele e seu antecessor. O tom do pronunciamento terá muito a dizer sobre o futuro de sua política externa.

Igualmente definidor de tendências deve ser o já muito aguardado encontro de Lula com Zelensky. Uma oportunidade rara para que o líder brasileiro deixe mais claro ao resto do mundo o que pensa sobre a invasão da Ucrânia – e sobre como se pode encerrar a guerra.

Entre os seguidores mais entusiasmados de Lula o encontro com Zelensky poderá ser visto mais como como uma formalidade diplomática. Eles sonham mesmo com uma aproximação mais intensa com a dupla Putin-Xi, em busca dessa ordem multipolar.

A torcida indica que, mesmo à esquerda, ainda prevalece uma visão de mundo baseada principalmente nos interesses – muitas vezes contraditórios – dos Estados nacionais. Ou seja, mais centrada na rivalidade do que nas possibilidades de cooperação.

Hoje temos uma guerra quente na Ucrânia, cujo resultado pode vir a contribuir de forma decisiva para a definição do quadro político da Europa.

Também existe uma guerra fria, em gestação, entre os Estados Unidos e seus aliados ocidentais, de um lado, e o eixo Rússia-China, do outro. Com um imenso Sul Global no meio.

Quente ou fria, aí está a guerra do primeiro painel de Portinari. E onde estão a paz, tema do segundo painel, e seus dividendos? Onde estão os possíveis frutos da cooperação global? E como eles se posicionam entre as prioridades dos principais líderes mundiais?

Paralelamente à Assembleia Geral, a ONU promove nesta semana a Cúpula dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Incluídos na chamada Agenda 2030, esses objetivos incluem a erradicação da pobreza, o combate à fome e a oferta de saúde e educação de qualidade.

As metas, como alertam as Nações Unidas, estão em perigo. Se as atuais tendências persistirem, em 2030 ainda haverá 575 milhões de pessoas no mundo vivendo em extrema dificuldade. E apenas um terço dos países terá reduzido à metade seus níveis de pobreza.

Outra ação urgente prevista na Agenda 2030 é a do combate à mudança climática e de seus impactos em todo o mundo. A temperatura do planeta, segundo a ONU, subirá 1,5 grau até 2035 e poderá ser elevada em 2,5 graus até 2100. Por isso o mundo deveria se tornar neutro em carbono até 2050.

Ou seja, a persistente pobreza e os assustadores efeitos da mudança climática afetam o planeta de forma nunca vista, especialmente entre os países em desenvolvimento do Sul Global. Mas esses temas ainda precisam disputar atenção na agenda global com uma guerra.

É pouco provável que, como gostaria Portinari, os líderes globais deixem o plenário de Nova York convencidos da necessidade imediata da paz e do redirecionamento de atenções e energias à busca de melhores condições de vida a toda a população do planeta.

Como tem o privilégio, por tradição, de abrir a Assembleia Geral, o Brasil pode – e deve – trazer ao debate temas como o combate à pobreza e à mudança climática. A urgência desses temas estará clara a quem quiser abrir o foco de seu olhar e observar o intenso azul desse frágil planeta.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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