O Tribunal Penal Internacional é anti-semita? (Por Amílcar Correia)
O mesmo tribunal que emitiu mandados de captura de Vladimir Putin por crimes de guerra pode fazer o mesmo com o Netanyahu
atualizado
Compartilhar notícia
A desumanidade e a prática de crimes de guerra estão de um lado e do outro. O gabinete do procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, considera que Israel praticou actos desumanos; que usou a fome de civis, causou sofrimento ou tratamento cruel, procedeu a ataques incondicionais contra a população civil, de extermínio ou assassínio. E considerou, igualmente, que o Hamas praticou extermínio, assassínio, tomada de reféns, violação e outros actos de violência sexual.
Um painel de juízes deste tribunal vai, agora, avaliar os pedidos de emissão de mandados de captura do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e do seu ministro da Defesa, Yoav Galant, do líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, do comandante da sua ala militar, Mohammed Deif, e do líder da organização terrorista, Ismail Haniyeh, a viver no Qatar. O que todos eles têm em comum é o facto de serem suspeitos da prática de crimes de guerra.
E agora? O mesmo tribunal que emitiu mandados de captura de Vladimir Putin por crimes de guerra na Ucrânia pode fazer o mesmo ao primeiro-ministro israelense. Os efeitos de uma decisão deste género podem resumir-se a um efeito simbólico, mas esse simbolismo coloca os tradicionais aliados de Israel perante a decisão de respeitarem ou não um tribunal internacional de justiça e de continuarem ou não a fornecer armas a alguém suspeito de crimes de guerra.
Os países ocidentais convivem bem com a acusação a Putin, ou ao ex-presidente do Sudão, Omar al-Bashir, procurado por genocídio no Darfur, e com as condenações de membros de milícias da República Democrática do Congo, Mali e Uganda, mas dificilmente olharão com a mesma candura para a tentativa de captura de Netanyahu.
Numa entrevista recente ao PÚBLICO, o artista e activista chinês Ai dizia que o Ocidente enfrenta a questão da censura do discurso, como se toda a crítica ao comportamento de Israel em Gaza fosse sinónimo de anti-semitismo, mas “também um abandono dos fundamentos éticos e morais que, tradicionalmente, sustentaram a procura e salvaguarda da justiça e da liberdade. Este abandono conduz inevitavelmente o Ocidente para o abismo da degradação moral”. É a consequência do cinismo e da hipocrisia com que lidamos com a tragédia de um povo.
(Transcrito do PÚBLICO)