metropoles.com

O sistema tributário (quase) centenário (por Gustavo Krause)

A reforma tributária é o maior consenso no mundo abstrato da política e o maior dissenso no mundo real da economia

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Michael Melo/Metrópoles
Dinheiro, Economia, Bolsa de Valores, Real, aumento, Baixa, money, gráficos – PIB
1 de 1 Dinheiro, Economia, Bolsa de Valores, Real, aumento, Baixa, money, gráficos – PIB - Foto: Michael Melo/Metrópoles

O ponto de partida é a década de 60. Época das revoluções, senão no sentido clássico, um tempo de rebeldia, revolta, contestação, transgressão, “um sinal premonitório da necessidade de reformas profundas” como definiu Daniel Cohn-Bendit, grande protagonista do Maio Francês de 1968.

De fato, sob acordes emocionantes, os Beatles foram incandescentes vagalumes que sacudiram e incendiaram o desejo de mudanças e a abertura de portas para um novo mundo.

Com a pílula, a revolução sexual deu impulso decisivo no longo percurso da luta pela afirmação histórica da mulher. Em todos os setores da vida social, pulsava o anseio por liberdade, autonomia, um estilo de vida desgarrado das estruturas sociais dominantes. Eram os ideais de “Paz e Amor”, dístico de uma contracultura que pregava: “seja razoável, peça o impossível”, “desobedeça antes de escrever nos muros” e “é proibido proibir” tropicalizado pela voz libertária de Caetano Veloso.

Nessa década, ocorreu uma onda de “desdemocratização”, com a instauração do regime militar de 64, aprofundado pelo AI-5 de 1968 , expressão cunhada pelo cientista social Samuel Huntington, contraposta às “ondas de democratização” em que definiu período de tendências em países que oscilam entre governos democráticos e autoritários.

Pois bem, o primeiro sistema tributário brasileiro é filho da centralização do poder ditatorial sob a marca de fortes aspirações transformadoras e libertárias no plano internacional.

Com a Emenda Constitucional 18\65, a Lei 5172\1966 e a Constituição de 1967, o conjunto das regras adotou o Sistema Tributário Nacional. Entre 61 e 64, a estagnação econômica e a inflação crescente intensificaram as tensões políticas (três presidentes e seis ministros da fazenda) o que culminou com o golpe militar de 64.

Por sua vez, o Programa de Ação Econômica do Governo – PAEG (1964/67) – propôs um novo sistema tributário que, além da função clássica de arrecadar, integrava o conjunto de reformas institucionais necessárias para a estabilidade política e crescimento sustentado.

A conjunção de fatores domésticos e internacionais levou o Brasil a ingressar na década de setenta com um ciclo de expansão econômica de tal ordem que recebeu o carimbo de “milagre brasileiro” (1968\1973).

Até então, a carga tributária oscilava entre 24 e 27% do PIB. Dois choques no preço do petróleo (1973, de três para doze dólares e 1979, para trinta dólares), promoveram tamanho desarranjo na economia brasileira que o país entrou na década de 80 com um elevado déficit no balanço de pagamento e índice de inflação de três dígitos.

No período de 1980 a 1994, as turbulências atingiram proporções dramáticas: 5 presidentes da República, 15 ministros da fazenda, 14 presidentes do Banco Central, seis planos de estabilização e um confisco, 6 moedas e 720% de inflação média anual. A década não foi de todo “perdida”: operou-se uma transição democrática com a promulgação da Constituição de 1988.

Passamos a viver numa democracia com moeda estável, o Real, a partir de 1994. Porém, os avanços na construção de uma nação justa dependeriam de amplas e profundas reformas institucionais.

Profissional da gestão fiscal, com experiência política, faz mais de quarenta anos que ouço a mesma cantilena o que me leva a concluir: a reforma tributária é o maior consenso no mundo abstrato da política e o maior dissenso no mundo real da economia.

O nosso sistema afastou-se de todos os princípios que dão sustentação à estrutura tributária: simplicidade, generalidade, neutralidade, equidade/progressividade.

Merecem registro algumas distorções: a extração regressiva da receita (paga mais quem ganha menos) 33% da riqueza nacional, o PIB, produzida pelo cidadão; a dimensão da judicialização no valor 427 bilhões de reais de processos no STJ, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentária, chegando os litígios a valores extravagantes nas esferas administrativas e judiciais. Insegurança jurídica e incertezas econômicas, tudo que prejudica o ambiente de negócios e afugenta o investidor.

Na sequência dos Presidentes eleitos, a reforma tributária padeceu de fraqueza política. Os interesses corporativos são fortes: o interesse público, difuso e fraco.

Na situação atual, não há arcabouço fiscal sustentável sem uma reforma tributária. As PECs 45 e 110 resultaram de um amplo debate que enfrentou obstáculos históricos, entre eles, a guerra fiscal, o federalismo fiscal associado à questão do desenvolvimento regional e a simplificação da tributação sobre o consumo unificada num IVA.

A palavra final é do Congresso Nacional onde afloram os interesses legítimos de setores que podem sofrer perdas e o apetite lobista pronto para defender “o superlucro”, as desonerações injustificáveis, enraizadas com a força de privilégios.

O equilíbrio orçamentário é um compromisso convincente na perspectiva histórica do arcabouço fiscal desde que a salvo do voluntarismo desastrado.

Neste sentido, a viabilidade da reforma tributária depende da liderança do Presidente em construir um consenso político no quadro complexo de fragmentação partidária.

Vigente a partir de 2024, com pouso suave de 20 anos, como prometeu o Ministro Hadadd, o Presidente legará à História um novo marco institucional, definitivamente, em 2044, substituindo um sistema tributário (quase) centenário ao completar 78 primaveras.

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?