O replantio de boa política (por Marcos Magalhães)
Doze milhões de brasileiros que vivem na Amazônia estarão expostos a ondas de calor extremo até 2100
atualizado
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A poucas semanas da abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a ser realizada em Glasgow, cientistas brasileiros divulgaram estudo que mostra como o desmatamento e a elevação da temperatura poderão tornar quase inviável a vida humana na Amazônia.
Segundo o texto divulgado, 12 milhões de brasileiros que vivem na região estarão expostos a ondas de calor extremo até 2100, caso se confirmem as perigosas tendências atuais. Um calor tão forte que seria intolerável para os humanos.
Ao redigirem o estudo, os cientistas levaram em conta a mudança do clima em todo o planeta e o desmatamento da Amazônia, com o risco de transformação de grandes áreas de florestas em savanas. Se o combate à mudança climática depende de uma ação global, alertam, o combate ao desmatamento está nas nossas mãos.
“Podemos controlar o corte de árvores, podemos não desmatar”, disse ao jornal Valor Econômico o climatologista Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Temos que fazer isso e temos que reflorestar.”
Na opinião do cientista, é necessário promover um entendimento nacional e global sobre a necessidade de se revegetar a Amazônia. “Este cenário não é para 2100”, alerta. “A floresta está em caminho avançado de savanização.”
Percepção global sobre os riscos de desmatamento da Amazônia já existe. E a pressão do resto do planeta sobre o atual governo brasileiro para reverter o quadro vai crescer na conferência de Glasgow. O isolamento do país em relação ao tema, desde 2019, vai aumentar.
Enquanto a atual política ambiental estiver em vigor, resta à sociedade civil e aos movimentos de oposição buscar aquilo que foi sugerido pelo climatologista: um entendimento nacional sobre a necessidade não apenas de conter o desmatamento, mas de replantar a floresta.
Consensos
A busca de uma nova política ambiental poderia se transformar em um dos principais pilares de uma plataforma mínima de consenso entre os candidatos a ocupar o gabinete onde hoje está Jair Bolsonaro. O outro pilar, igualmente consensual, seria a defesa da democracia.
Parecem bandeiras óbvias. Mas não são. Elas são claras para aquela parcela do eleitorado que tem acesso à informação de boa qualidade sobre a saúde do planeta e a crescente radicalização política, que coloca em risco conquistas democráticas já dadas como parte irreversível de nosso cotidiano.
A radicalização tem funcionado como um motor de produção de lucros para empresas responsáveis pelas redes sociais. Quanto mais forem motivadas pelo ódio, informam pesquisadores e ex-empregados dessas empresas, mais as pessoas permanecem ligadas nas redes e nos anúncios publicados por seus patrocinadores.
A eleição de Bolsonaro demonstrou que não são poucos os eleitores seduzidos por tentações autoritárias e por promessas de desenvolvimento que desprezam os limites do planeta. Não seria sábio menosprezar o peso político desses eleitores.
Até hoje o debate tem horizonte curto. Discute-se quem vai às ruas junto de quem vai para protestar contra o governo. Ou para defender o improvável impeachment de Bolsonaro. As vaias de militantes de esquerda na manifestação da Avenida Paulista ao pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, mostram que ainda há um longo caminho para a convivência civilizada entre as oposições.
A agenda política ainda parece tomada, de um lado, pela constatação de que o segundo turno provavelmente contará com a presença de Bolsonaro e do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. E, de outro, pelas negociações em torno da construção de uma possível via alternativa para 2022.
Nenhuma palavra, até o momento, sobre os dois temas que dominam o noticiário internacional a respeito do Brasil nos últimos meses: o desmatamento da Amazônia e a erosão da democracia por iniciativa do próprio presidente da República.
Possibilidades
Ninguém vai pedir a pré-candidatos como Lula e o governador de São Paulo, João Dória, que estabeleçam uma pauta econômica comum. As diferenças entre eles não permitiriam que um debate entre suas equipes durasse mais do que 15 minutos.
A persistirem as atuais tendências eleitorais, porém, Lula, Doria ou Ciro Gomes têm chances de enfrentar Bolsonaro em um segundo turno das eleições. Ou seja, enfrentar um presidente que é sinônimo de ameaças tanto ao meio ambiente quanto à democracia.
A busca de consensos, embora difícil, pode produzir bons resultados. Representantes de empresas e instituições privadas já assinaram manifestos em defesa das florestas e do regime democrático. Ex-ministros de diferentes governos também já se posicionaram em defesa da Amazônia e das urnas eletrônicas.
Pois os candidatos de oposição cujos nomes poderão estar nas mesmas urnas têm diante de si a possibilidade de tecer um consenso mínimo sobre temas essenciais ao futuro de um país que se quer civilizado, livre e ambientalmente responsável. A possibilidade de juntos dizerem não ao desmatamento e sim ao regime democrático.
Se não basta deter a derrubada de árvores, como alertou o climatologista do Inpe, também não será suficiente deter a escalada autoritária. Na Amazônia, como em todo o Brasil, é preciso promover o replantio. Da floresta, claro. Mas também da boa política.
Marcos Magalhães escreve no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.