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O Reino Unido contra o ódio (por Mary Zaidan) 

Ingleses nas ruas contra a ordem oportunista da extrema-direita para banir imigrantes foi uma lição para o mundo

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Danny Lawson/PA Images via Getty Images
Protesto anti-imigrante em Southport, no Reino Unido, coloca manifestantes da extrema direita contra policiais
1 de 1 Protesto anti-imigrante em Southport, no Reino Unido, coloca manifestantes da extrema direita contra policiais - Foto: Danny Lawson/PA Images via Getty Images

Em tempos de acirramento da política binária que domina o planeta, da explosão e reedição de conflitos milenares e até da guerra fria, a reação popular no Reino Unido em defesa dos imigrantes foi mais do que alento, emocionou ao ponto de lágrimas. Um exemplo e uma lição para o mundo.

Milhares de pessoas ocuparam as ruas de Londres, Liverpool e Birmingham. Mobilizaram-se para evitar novas manifestações em série contra mulçumanos, incitadas por extremistas de direita que, criminosamente, atribuíram a um imigrante islâmico o ataque brutal que matou três meninas a facadas e feriu outras 11, em uma escola de dança. Depois da barbaridade, a Inglaterra viveu dias de caos. Mas nenhum tiro, nenhuma bomba, nenhum atentado aconteceu na quarta-feira em que as ruas repudiaram o ódio, o racismo e a xenofobia.

O jovem de 17 anos que esfaqueou as garotas é inglês e cristão, filho de ruandenses, conforme apurou a polícia. Mas essa revelação não foi capaz de barrar a onda de ódio que dominou as redes sociais pró-expulsão de imigrantes. A chave virou depois da firmeza dos que saíram às ruas. Em uma entrevista simbólica à BBC, uma inglesa branca, de meia idade, disse que nada, absolutamente nada, mesmo se o homicida fosse mulçumano, justificaria o ódio e a condenação de todos os fiéis de Alá como a extrema direita fez. Um brilho.

Imigração é um dos problemas mais agudos da humanidade. A boa parte do mundo desenvolvido, refugiados vitimados por guerras, pobreza extrema ou perseguições políticas chegam em número cada vez maior. Nos países ricos, apontar o dedo para eles como responsáveis diretos pelo fracasso das políticas internas é ação recorrente e, nos últimos tempos, foi o principal mote para a ascensão da direita e extrema direita. Se o desemprego cresce, a culpa é dos imigrantes; se a economia desanda, a culpa é das políticas de acolhimento de refugiados, que custam caro e são feitas em detrimento dos nacionais; se a violência aumenta, os criminosos, claro, são imigrantes.

Um discurso quase uníssono que une direitistas da França, Inglaterra, Itália, Portugal, Hungria, Estados Unidos… E que até então tem rendido frutos.

Ainda que seja um mentiroso contumaz, Donald Trump consegue fazer com que americanos acreditem que os índices de violência dos Estados Unidos cresceram pelo fluxo de imigrantes ilegais fugidos da Venezuela comunista. Nem a criminalidade cresceu e muito menos há registros de aumento de crimes cometidos por venezuelanos, embora, espremidos para a miséria imposta pelo regime ditatorial de Nicolás Maduro, eles tenham se multiplicado nos Estados Unidos, Colômbia, Peru, Equador, Panamá e Brasil.

Com Maduro, quase 8 milhões de pessoas já deixaram a Venezuela. Com o golpe às urnas, pelo qual o ditador forjou sua vitória, esse número tende a crescer vertiginosamente. Deve se aproximar de países com conflitos internos prolongados, como a Síria, com 13,8 milhões de fugitivos da guerra civil, e o Sudão, com 11,8 milhões. Segundo o Alto Comissariado da ONU para Refugiados, 20 pessoas por minuto deixam os seus países fugindo de guerra, miséria e opressão. Um número alucinante que para ser enfrentado exigiria líderes corajosos e humanitários como Angela Merkel, premiê alemã que acolheu mais de 1,2 milhão deles.

A política de boas vindas alemã, o “willkommenskultur”, refluiu nos anos pós-Merkel, reação ao crescente apoio popular ao discurso anti-imigração da direita. O repúdio aos imigrantes foi a força motora do malfadado Brexit, de que hoje boa parte dos britânicos se arrepende. Embalou a vitória da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e o crescimento de Marine Le Pen na França. Ao mesmo tempo, começa a cobrar seu preço aos políticos que usam a expulsão de migrantes como bandeira, que vendem a ideia de que problemas difíceis se resolvem com promessas absurdas de fechamento total de fronteiras ou muros.

A vitória esmagadora dos trabalhistas na Inglaterra depois de 14 anos é prova disso. Ainda que lentamente, a reação popular ao discurso de ódio também ajudou a impedir maioria absoluta da extrema-direita na França e no Parlamento Europeu. E pode criar chances de barrar Trump.

É conto de fadas imaginar que o povo na rua pode impedir o ódio, mas o movimento dos ingleses na última quarta-feira foi espetacular, fabuloso. Eles fizeram renascer a utopia de que a força da união pacífica pode tornar possível o que parece impossível. E, mais do que nunca, o planeta necessita de utopias.

Mary Zaidan é jornalista 

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