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O quê matou os 25 do Jacarezinho? (por Felipe Sampaio)

A ação policial foi a mais letal da história do Rio de Janeiro

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JOSE LUCENA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO
Operação policial em Jacarezinho, Rio de Janeiro
1 de 1 Operação policial em Jacarezinho, Rio de Janeiro - Foto: JOSE LUCENA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO

Não há política de segurança pública exitosa que resulte em dezenas mortos num bairro densamente habitado. Eram traficantes? Os agentes defenderam-se? Havia fuzis? A polícia foi surpreendida? O território é violento?

Foram dez meses de planejamento gastos (por quem?) para elaborar uma investida que expôs a vida de policiais, moradores e suspeitos. Nesse tipo de situação, o culpado antecede a ação (quem ordenou?). Depois que a coisa sai do controle, vira cada um por si.

O primeiro equívoco está na ideia de que “o território é violento”. Isso nos leva a uma segunda distorção, “o território é inimigo”. Estão aí os fundamentos para que toda ação policial tenda a seguir padrões militares.

Nada contra a doutrina militar. Trabalhei no Ministério da Defesa, onde fiz grandes amigos e ainda hoje desenvolvo atividades profissionais gratificantes com eles.

O problema aqui é que a política de segurança pública não pode se orientar pela doutrina das forças armadas, que, por sinal, e com acerto, discordam de que devam se envolver em operações policiais, por saberem que o ensinamento das escolas de guerra não pode ser copiado para o dia a dia da segurança pública.

Governos estaduais e as polícias não podem partir do princípio de que determinadas comunidades são violentas e, portanto, territórios inimigos. Essa premissa leva à conclusão de que certa região só pode ser pacificada por meio de invasões segundo a cartilha militar, pensada para campos de batalha.

Essa visão de segurança é explosiva. Nossa polícia é uma das que mais matam, e que mais morrem. Depois que começam os tiros ninguém controla a adrenalina. Em território inimigo não há inocentes.

Na verdade, policiais sequer são treinados para o enfrentamento militarizado ao qual são lançados. Atiram a esmo, desorientam-se no fogo cruzado, invadem casas e como se fossem abrigos de soldados inimigos. Não é à toa que um morador do Jacarezinho disse “eles pensam que estão no Iraque”.

No final, restam os mortos de sempre e resta a desigualdade social. O mapa da desigualdade tem interseções com o mapa da insegurança. A pobreza e a criminalidade vivem nos mesmos locais que vemos como territórios inimigos.

Quem morre, e quem mata, são rapazes pretos, pobres, desempregados e sem educação. Nasceram nos mesmos territórios inimigos em que vivem os policiais que são enviados nessas cruzadas às avessas, expondo-se a morrer ou matar.

O do bandido bom é bandido morto, da tolerância zero, reflete dois problemas estruturais: 1. A incapacidade das instituições em estabelecer a paz e o desenvolvimento nas áreas sobre a sua responsabilidade; 2. O preconceito de classe, não raro, contra os pobres que vivem nos tais “territórios inimigos”.

Pobreza e criminalidade são vizinhas. Pobreza e pele escura são siamesas. Isso quer dizer que jovens negros pobres são mais vulneráveis à sedução do crime e à violência.

Centenas de favelas e comunidades do Rio vivem sob o jugo de governos paralelos, onde mais de um milhão de pessoas ainda aguardam a chegada do Estado. Nesse cenário, quando o jovem é preso ou morto a guerra já foi perdida.

Cabe ainda aos policiais e à sociedade conterem seu sentimento de linchamento social e vingança contra as comunidades vulneráveis. Esse pensamento dá oportunidade a ideologias truculentas e antidemocráticas que se aproveitam da insatisfação geral com a insegurança para se estabelecerem como solução ilusória para problemas históricos complexos.

 

Felipe Sampaio – consultor, ex-secretário executivo de segurança urbana do Recife, foi chefe da assessoria especial do ministro da segurança pública.

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