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O que a guerra da Ucrânia pede de nós é cautela (por Marcos Magalhães)

O Brasil está bem longe dos combates, mas enxerga no impasse uma possibilidade de ressurgir no cenário diplomático global

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Andrea Ronchini/NurPhoto via Getty Images
Cidadãos ucranianos protestam com cartaz contra os atos do Putin perto da embaixada da Federação Russa contra a guerra na Ucrânia, em Roma na Itália
1 de 1 Cidadãos ucranianos protestam com cartaz contra os atos do Putin perto da embaixada da Federação Russa contra a guerra na Ucrânia, em Roma na Itália - Foto: Andrea Ronchini/NurPhoto via Getty Images

Aos olhos da sabedoria chinesa, a guerra na Ucrânia, que já completou um ano, chegou a um impasse. O Ocidente, por um lado, já deixou claro que estará totalmente a favor do país invadido. E Vladimir Putin, por outro, não estaria em condições de admitir a derrota da Rússia.

“O Ocidente vai apoiar a Ucrânia com todos os meios”, admitiu o coronel reformado Zhou Bo, durante a Conferência de Segurança de Munique. “Mas a Rússia ainda é um grande país com um grande arsenal nuclear. Se Putin não pode ganhar a guerra, ele também não a pode perder”.

O presidente da Rússia poderia usar seu arsenal nuclear? “Eu não sei”, disse Bo. “Mas eu me preocupo com isso”.

O veterano militar chinês deixou claro que a guerra não é do interesse de seu país. Os chineses, observou, ficariam muito felizes se o conflito terminasse imediatamente. Mas os combates não acabarão tão cedo, lamentou, provavelmente não neste ano.

Diante desse cenário de impasse, o que fazer? Cada parte do mundo, neste momento, parece ter a própria resposta. Putin tem demonstrado que pretende ampliar a força e a frequência de seus ataques à Ucrânia. Ou seja, após um ano pretende dobrar a aposta.

Os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), por sua vez, estão dispostos a garantir à Ucrânia os mais eficientes armamentos para conter as forças russas. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, já garantiu US$ 47 bilhões em ajuda ao país invadido.

Boa parte desse dinheiro, naturalmente, será direcionado à própria indústria armamentista americana. E essa decisão já motivou protestos contra Biden. Tantos bilhões, argumentam os críticos, poderiam resolver muitos dos problemas da precária infraestrutura dos Estados Unidos.

Entre essas duas forças começa a esboçar-se – em boa parte por iniciativa do Brasil – um grupo de países aparentemente neutros que estaria disposto a promover negociações de paz. A iniciativa pode vir a ter algum sucesso?

Está prevista para o fim de março uma viagem do presidente Luís Inácio Lula da Silva a Pequim. Na extensa pauta de conversas com o presidente Xi Jinping certamente haverá espaço para o tema da guerra na Ucrânia.

Se um clube de amigos da paz houver, como quer o presidente brasileiro, entre os sócios principais estarão justamente Brasil e China. Os demais países interessados no tema certamente vão acompanhar com lupa os movimentos de Brasília e Pequim.

À China, como bem observou Zhou Bo, não interessa a guerra. O país preza o conceito de soberania, que foi posto em xeque com a presença de tropas russas em território de um país vizinho. Por outro lado, a enorme fronteira exige boas relações com a Rússia.

O Brasil está bem longe dos combates, mas enxerga no impasse uma possibilidade de ressurgir no cenário diplomático global, como participante de um grupo de nações que aposta na paz.

O país não começou bem. Logo antes da guerra, o então presidente Jair Bolsonaro prestou “solidariedade” a Putin – alegadamente, como forma de garantir o suprimento ao Brasil de fertilizantes russos, necessários à agroindústria brasileira.

Depois foi a vez de Lula, em maio do ano passado, sugerir que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, seria tão responsável quanto Putin pela guerra, por não haver negociado mais antes da eclosão dos conflitos.

A declaração agradou em cheio a esquerda petista, que, curiosamente, mantém a mesma simpatia aos russos demonstrada por Bolsonaro. O movimento dos tanques de Putin, alegam, seria uma resposta à expansão ao leste da presença da Otan.

Valeria, então, invadir outro país? Agora presidente, Lula parece ter dado um passo atrás. Considerou um erro a invasão russa, mas pede negociações de paz.

Provavelmente, como adiantou o embaixador Ronaldo Costa Filho em votação na Assembleia Geral das Nações Unidas, com a interrupção da violência “sem precondições” – o que abriria espaço à permanência de tropas russas em território estrangeiro.

Os russos reagiram bem. Disseram que estão avaliando a proposta brasileira. Zelensky pediu para conversar com Lula, “olhos nos olhos”, para esclarecer suas posições. Os países da Otan não deram muita importância à iniciativa brasileira.

Na verdade, a Rússia – apesar da promessa de novos ataques – tem muito a perder nos próximos meses. Com novos armamentos ocidentais, as tropas da Ucrânia poderão reconquistar territórios até agora ocupados pelos russos.

No limite, caso as forças russas continuem a perder espaço e soldados, poderia acontecer o impensável há um ano: a vitória da Ucrânia, com a reconquista de todos os territórios ocupados, inclusive a Crimeia, anexada pela Rússia há nove anos.

Nesse caso, como reagiria Putin? Aí reside o temor – compartilhado pelo coronel chinês – de que o presidente russo se veja tentado a usar armas nucleares. O que certamente levaria a uma escalada mundial do conflito.

Como observou a historiadora americana Anne Applebaum na mesma Conferência de Munique, essa guerra já mudou a Europa “para sempre”. Tudo que os europeus julgavam conquistado, como um mundo de fronteiras imutáveis e direitos humanos respeitados, agora corre perigo.

“Essa guerra só terminará quando os russos concluírem que foi um erro”, afirmou Applebaum. “Quando eles perceberem que o Império Russo não pode ser reconstruído e que essa era já terminou”.

Putin não parece inclinado a rever suas posições. O que, sim, parece certo é que a guerra está longe do fim. E que nenhum dos dois lados, apesar das declaradas simpatias russas, parece interessado em interromper os combates.

A iniciativa brasileira de buscar a paz é louvável. Demonstra, inclusive, a corajosa iniciativa do novo governo de voltar a ser protagonista nas relações internacionais, após os quatro anos de isolamento sob Jair Bolsonaro.

Guimarães Rosa já nos lembrou a importância da ousadia em momentos difíceis. “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta”, ensinou o autor mineiro. “O que ela quer da gente é coragem”.

Pois que o Brasil tenha mesmo a coragem de propor a paz. Diante de um cenário tão complexo e pouco promissor, porém, talvez fosse o caso de, também mineiramente, parafrasear Rosa por outro caminho. Além de coragem, o que essa guerra pede de nós é cautela.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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