O Presidente e as Urnas (por Felipe Nunes)
Para 27% dos brasileiros, as urnas não são confiáveis, e para 29% elas são pouco confiáveis
atualizado
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Os jornalistas que cobrem Brasília dizem que Arthur Lira é um homem de palavra. Talvez por isso tenha se incomodado tanto com o fato de Bolsonaro ter voltado a defender o voto impresso nos atos do 7 de Setembro, mesmo depois de eles terem acordado que o plenário da Câmara daria a posição final sobre o assunto. Lira colocou o assunto em pauta e ainda conseguiu angariar votos para diminuir o tamanho da derrota do governo. Ou seja, cumpriu sua palavra. Mas por que Bolsonaro voltaria atrás e romperia um acordo político?
A última rodada da pesquisa Genial/Quaest traz boas razões para ajudar a entender por que Bolsonaro optou por arriscar sua relação com o presidente da Câmara: sua base eleitoral comprou a ideia de que as eleições por meio eletrônico não serão justas.
A pesquisa investigou, por exemplo, o nível de confiança dos brasileiros com as urnas eletrônicas. Para 27% dos entrevistados, as urnas não são confiáveis, e para 29% elas são pouco confiáveis. Entre quem aprova o governo, a soma das duas alternativas chega a 66%.
A pesquisa também estudou a opinião dos brasileiros sobre o que aconteceu em 2014. Mais uma vez, o levantamento mostra que o cluster de apoiadores do presidente está convencido sobre as teses que ele defende. Quase 30% dos entrevistados acreditam que a eleição de 2014 foi fraudada. Se analisamos apenas os eleitores que aprovam o governo, esse patamar chega a 57%.
Esses resultados já seriam convincentes o suficiente para nos ajudar a entender por que Bolsonaro voltou na pauta do voto impresso no dia 7 mesmo sabendo que desagradaria seu aliado. Mas o último dado da pesquisa sobre o assunto é ainda mais interessante. Perguntamos aos brasileiros se eles acreditavam que o sistema de totalização dos votos poderia ou não ser violado. Para 49% dos entrevistados, sim, o sistema do TSE pode ser violado. Metade da amostra desconfia do sistema. Entre os eleitores que aprovam o governo Bolsonaro, 74% desconfiam e dizem que o sistema pode ser violado.
Ou seja, no momento em que o presidente convive com altas taxas de reprovação e vê suas chances eleitorais diminuírem, ele parece fazer uma escolha estratégica: mobilizar sua base retomando um tema que encontra apelo popular para além da sua bolha política. Ele insiste em uma tese politicamente derrotada na Câmara, mas eleitoralmente mobilizadora na sociedade. A dúvida ganha da certeza, e Bolsonaro mantém viva a chance de questionar qualquer que seja o resultado do próximo ano.
Felipe Nunes é PhD em Ciência Política pela UCLA, professor da UFMG e diretor da Quaest