O panetone (por Tânia Fusco)
O panetone antecipa em dois meses o fim certo dos 365 dias do ano. Traz sabor e certa aflição para uma sociedade cada vez mais ansiosa
atualizado
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O panetone já está nas lojas de doces, nos supermercados, nas mídias, nos outdoors. Eu ainda nem tiquei toda minha agenda de “fazeres” de janeiro 24. Mas o panetone, nas prateleiras ou na mesa, anuncia a chegada do Natal, seguida de pertinho pelo efetivo final de ano.
Todo novembro é a mesma ladainha. Mas já? Rápido demais. Definitivamente, o ano está mais curto?
Anotados ou não, uma porção dos propósitos de cada ano sobra sem ser cumprida.
Não deu tempo. É o dizer mais comum. Certo é que a desculpa contém a infernal culpa. Tinha que fazer e não fiz.
Será que se queria e precisava mesmo fazer?
Novembro é o mês do lamento. Este ano voou. Como voou o passado, e o anterior, e o anterior do anterior.
O mês 11 é o da angústia de correr atrás de contas que não fecharam. Não há quem possa dizer que chegou na novembrada sem nada dever. Alguma coisa ficou pendente. Ou você não é humano. Se é, ao longo do ano, foi deixando algo pendurado na agenda ou na cabeça.
Falhou, bebê!
Humanos falham, perdem-se, atropelam-se.
Pois conta a lenda que foi justamente uma falha o que deu origem ao panetone.
Diz-se que a iguaria nasceu em Milão, na corte de Ludovico il Moro, no século XV, quando um cozinheiro, chamado Toni, queimou o bolo que produzia para o banquete da véspera de Natal.
Criativo, improvisou e processou uma massa já meio pronta, adicionando mais farinha, ovos, frutas cristalizadas e açúcar. O “Pan di Toni”, sucesso na ocasião, tornou-se mundialmente o conhecido panetone – na versão tradicional, com frutas, na versão abrasileirada, com chocolate.
Seis séculos depois, é também justamente ele, o Panetone que antecipa em dois meses o fim certo dos 365 dias do ano. Traz sabor e certa aflição para uma sociedade cada vez mais ansiosa por fazer até o que não precisa ser feito – como, ano a ano, fechar em dezembro ditas contas abertas ao longo do ano em vigor.
Ditado, de referência natalina, diz “peru não morre de véspera”. O que, ontem, valeu para Kamala, para Trump. Mas não vale nunca para o panetone que, chegando em vésperas, antecipa a agonia do final de ano – aquele que deve ser fechado como se, ao fim de cada 12 meses, a vida precisasse acabar e recomeçar do zero. Sem passivos.
PS.: Mega Sena acumulou de novo. Tá valendo 140 milhões. Muitos milhares de panetones. E, quem sabe, um fim para as culpas.