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O novo capítulo de Macron (por Marcos Magalhães)

O presidente reeleito demonstrou humildade ao admitir que muitos dos votos que recebeu não seriam exatamente para ele

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Rita Franca/NurPhoto via Getty Images
Emannuel Macron
1 de 1 Emannuel Macron - Foto: Rita Franca/NurPhoto via Getty Images

A vitória de Emmanuel Macron nas eleições francesas, com 58,8% dos votos, nos leva a percorrer uma coleção de sinais de pontuação. O primeiro é o ponto de exclamação. A extrema direita ficará pelo menos cinco anos longe do poder! O segundo é o ponto de interrogação. Como Marine Le Pen conseguiu 41,2% dos votos dos franceses?

Além desses dois sinais tão eloquentes, existe ainda um terceiro, mais modesto: a vírgula. Macron ganhou, mas o que vem a seguir? A França e a Europa podem respirar aliviadas por enquanto, mas por quanto tempo ainda?

Já foi mais fácil interpretar os sinais de pontuação que a velha França apresentou ao mundo nas últimas quatro décadas. Não havia nada melhor do que um ponto de exclamação para definir a vitória do socialista François Mitterand, em 1981.

A esquerda democrática finalmente chegava ao poder. Com ela, a promessa de humanização do capitalismo pós-guerra e a de modernização da França. Os 14 anos de Mitterand deixaram suas marcas em Paris: a pirâmide do Louvre, um novo bairro de negócios, um futurista museu de ciência e tecnologia, uma nova ópera no bairro simbólico de La Bastille.

Ali também havia suas interrogações. Os modestos resultados econômicos levaram a complexas experiências de coabitação com primeiros-ministros conservadores. A insatisfação acabou mesmo colocando um ponto final na experiência socialista.

Mas, naquele momento, ainda era possível adivinhar os passos dos governos que viriam a seguir. Bastava inserir um parágrafo e ali começava uma administração mais austera, mais conectada aos ideais tradicionais das elites francesas. Uma mudança sem traumas.

Os socialistas ainda chegariam ao poder para um pálido mandato antes da primeira eleição de Emmanuel Macron. A partir dali, começava a rápida decadência que levou a prefeita socialista de Paris, Anne Hidalgo, a obter neste ano menos de 3% dos votos.

A França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon, rotulada muitas vezes de representante da extrema esquerda, substituiu o Partido Socialista e alcançou neste ano o terceiro lugar. Posição que leva os simpatizantes de Mélenchon a reivindicar para ele o cargo de primeiro-ministro, depois das eleições legislativas previstas para junho.

A reivindicação tem poucas chances de sucesso, mas indica o terreno minado pela polarização política que espera Macron para os seus próximos cinco anos no poder. Especialmente depois de uma eleição que leva a extrema direita a se sentir igualmente vitoriosa, ao obter os votos de quatro em cada dez franceses.

Nem todos os eleitores de Marine Le Pen se colocariam no campo da extrema direita. Muitos estiveram a seu lado para emitir um sinal de insatisfação com os rumos do país. Mesmo assim, não hesitaram em acompanhar uma candidata que representava um risco à democracia francesa como a conhecemos hoje e igualmente ao projeto da integração europeia.

E aqui se retoma o ponto de interrogação. Por que Le Pen chegou até aqui, com os votos de seus fiéis seguidores e com os votos dos insatisfeitos que aceitaram se aliar a ela?

Essa é uma das principais questões às quais se dedicaram especialistas políticos nos debates televisivos que se seguiram ao anúncio do resultado das eleições. Uma outra interrogação se seguia: como unir novamente um país tão fraturado?

Não será fácil. Quando os coletes amarelos chegaram às ruas de Paris, levando à capital as queixas de uma população do interior que se sentia esquecida, a insatisfação se tornava mais visível. Os altos preços dos combustíveis deram ignição ao movimento. Mas já se sentia ali uma semente de revolta contra o que os manifestantes identificavam como as elites da capital.

Os motoristas de ônibus de Paris já sabiam o que teriam de enfrentar em muitas manhãs de sábado antes da pandemia: manifestações, engarrafamentos e, talvez, alguma violência.

A tensão subiu alguns degraus durante a imensa greve de transportes públicos promovida em Paris no final de 2019. A principal motivação não era salarial. Os trabalhadores do setor queriam mostrar sua revolta contra o projeto de reforma da Previdência Social apresentado por Emmanuel Macron. Projeto que, atenuado, pode ser levado a votação ainda neste ano.

Durante a greve, os sindicalistas decidiam a cada dia que linhas de metrô e de ônibus deveriam funcionar – e até que horas. Centenas de pessoas se espremiam nos antigos e estreitos corredores do metrô enquanto aguardavam os trens. Nos subúrbios, passageiros de ônibus superlotados gritavam uns com os outros. Pura tensão.

A pandemia retirou das ruas o conflito. Mas parece ter estimulado uma reação conservadora ao governo, especialmente por parte dos anti-vacina, que provavelmente estiveram entre os eleitores de Marine Le Pen no segundo turno das eleições.

Também devem ter optado por Le Pen os insatisfeitos com a chegada de imigrantes e refugiados – especialmente os provenientes de países islâmicos. Esses insatisfeitos queriam regras mais duras para a imigração.

Regras mais duras precisariam ser regras francesas – e não as europeias, consideradas por eles como demasiadamente liberais. Daí vem o forte apelo ao nacionalismo. Os simpatizantes de Le Pen não viam essas eleições como uma disputa entre o centro e a esquerda contra a extrema direita, mas sim entre os “mundialistas” e os “soberanistas”.

Macron, segundo a visão da extrema direita, seria o insensível representante das elites ligadas ao processo de globalização. Le Pen, por sua vez, representaria a volta de uma França independente e a limitação da abrangência da integração europeia.

Pois Macron ganhou. E ao som de que música ele chegou ao palanque montado em Paris para a celebração da vitória, entre bandeiras da França e da União Europeia? Da Nona Sinfonia de Beethoven, o hino europeu. Seguida pelo hino francês, após o discurso da vitória.

Nesse discurso, Emmanuel Macron prometeu “uma França mais independente e uma Europa mais forte”. Anunciou ainda que pretende “liberar a criatividade e a inovação” e fazer de seu país uma “grande nação ecológica”.

O presidente reeleito demonstrou humildade ao admitir que muitos dos votos que recebeu não seriam exatamente para ele, mas para “barrar a extrema direita”. Ele pediu ainda à multidão de seguidores que interrompessem a vaia após sua menção aos eleitores de Le Pen.

“Sou presidente de todas e de todos”, disse Macron. “A cólera merece uma resposta”. Reconduzido ao Palácio do Eliseu, ele prometeu colocar em prática um projeto “humanista, social e ecológico”. Vai precisar de mais do que um ponto e de um parágrafo. Terá de abrir um novo capítulo na história da França.

 

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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