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O Nordeste já foi um país independente (por Felipe Sampaio)

Notas sobre o primeiro movimento republicano brasileiro a sobreviver aos preparativos conspiratórios

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Há exatos 200 anos, o Nordeste brasileiro tornou-se um país independente. Foi um dos principais movimentos revolucionários de caráter liberal-republicano da América no século XIX. A Revolução Pernambucana teve seu ápice em 1824, quando D. Pedro I ainda lutava para firmar seu “império tropical”, apenas dois anos após declarar a independência do Brasil.

Na verdade, o levante já começara em 1817, ainda durante o reinado português do seu pai D. João VI, que se instalou no Brasil fugindo de Napoleão Bonaparte. A imensa corte real refugiada no Rio de Janeiro fazia despesas extravagantes, bancadas por novos impostos insuportáveis, com efeitos severos sobre a economia nordestina (cujo açúcar e algodão já sofriam com a concorrência do Caribe e EUA). Vendo seu prestígio decrescer, a reação dos líderes políticos, religiosos e econômicos da região foi inevitável.

Entre intensos combates, o Nordeste proclamou-se uma república, independente do império brasileiro, semelhante ao recente modelo federativo dos Estados Unidos. O novo ‘país’ compreendia vasto território, abrangendo os atuais estados de Pernambuco, Alagoas, Oeste da Bahia e pedaços da Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Ceará.

Após forte repressão portuguesa a Revolução retrocedeu, mas voltou a eclodir em 1824. O novo estopim foi a dissolução da Assembleia Constituinte por Pedro I. Os revoltosos (com os ideais iluministas ainda mais amadurecidos) proclamaram a independência da Confederação do Equador. O imperador debelou violentamente o levante, com o reforço de mercenários contratados com dinheiro da Inglaterra, findando no fuzilamento do Frei Caneca.

A Revolução ocorrida no Nordeste merece atenção por alguns aspectos particulares. Para começar, foi o primeiro movimento republicano brasileiro a sobreviver aos preparativos conspiratórios, chegando a atingir seus propósitos, com amplo apoio político e econômico, inclusive dos EUA e europeus, tendo repercutido nos jornais e salões mundo afora.

Em segundo lugar, porque a Revolução Pernambucana desmoralizou – em um mesmo processo – a opulência da corte portuguesa fugitiva que chegava ao Brasil e, anos depois, a independência brasileira questionável (proclamada por um herdeiro da própria coroa). Desse modo, colocou irreversivelmente na mesa do debate político nacional a opção republicana. Logo depois, no Sul do Brasil, a Província Cisplatina também proclamaria sua independência, fundando a República do Uruguai.

Por fim, o movimento ocorreu no contexto de uma tendência republicana que varria a América – de Norte a Sul – do final do século XVIII ao início do XX, e que culminou com a abolição da escravatura no mundo, a consolidação de democracias e uma reorganização geopolítica global.

50 anos antes os Estados Unidos já haviam inaugurado a era da democracia no mundo, seguidos pela Revolução Francesa. Por sua vez, Simon Bolívar desencadeou uma onda republicana na América do Sul que levaria à independência da Venezuela, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador e Panamá. Na mesma época, ocorreria a independência do Haiti, da Argentina, Paraguai e Chile. Na América do Norte, o México e o Canadá iniciaram seus processos de independência no final do século XIX, enfrentando ao mesmo tempo seus colonizadores europeus (Espanha, Inglaterra e França) e seu novo vizinho voraz (os Estados Unidos).

Não seria exagero pensarmos que a Revolução Pernambucana pode estar na raiz do espírito altivo e democrático do Nordeste brasileiro, que causa tanto desconforto e produz tanto preconceito nos setores mais atrasados e reacionários da nossa sociedade.

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou no setor privado; chefiou a assessoria especial do ministro da Defesa; foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; é chefe de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Empreendedorismo.

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