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O nome do candidato (por Gustavo Krause)

Tempo de eleições. O clima esquenta, mas não incendeia.

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ilustração de uma pessoa mexendo no celular -- match das urnas
1 de 1 ilustração de uma pessoa mexendo no celular -- match das urnas - Foto: Arte/Metrópoles

Tempo de eleições. O clima esquenta, mas não incendeia. A competição eleitoral, submetida a um conjunto de regras, imperfeito como toda criação humana, tem por objetivo assegurar o equilíbrio entre os candidatos, a segurança jurídica e a convivência social pacífica.

De fato, a experiência histórica demonstra e as ciências sociais ratificam a enorme complexidade que envolve a construção e a manutenção da democracia. Substituído o argumento da força pela força do argumento, teorias, conceitos, pesquisas, estratégias de comunicação e marketing, impactados pela sociedade em rede, transformaram campanhas políticas num empreendimento espetacular entre o falso e o verdadeiro, a persona e o candidato.

Sobre o assunto, a literatura é extensa e diversificada. Com autoridade de estrategista e consultor de líderes de campanhas americanas, Dick Moris afirma no livro “Jogos do Poder”: “A política é a busca do poder. A história é o relato dessa busca”. Por sua vez, Hannah Arendt, assevera que “A política é feita em parte da fabricação de uma imagem e, em parte, a arte de levar a acreditar na realidade dessa imagem”. Um passeio pela obra do Professor Antonio Lavareda, publicada em 2009, rigorosamente atual, constata: o grau de complexidade do embate eleitoral, a dinâmica das campanhas e o indecifrável enigma que é o voto (Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva)

Por estes motivos, como observador, outrora como participante, não arrisco afirmar que “não há nada debaixo do sol”, porém muita coisa tem origem remota. Que tal começar pelas famosas e temíveis fake news. Na essência, não é novidade. Trata-se do rumor dito em voz baixa nas rodas de conversa; em seguida, ganha a forma de fofoca que alimenta o boato propalado pela corrente do disse-me-disse e o que era falso, na origem, chega ao alvo com força de verdade e efeito devastador.

Quem imaginar que o berço da fake news se limita ao espaço provinciano das pequenas e médias cidades e que tem, como fonte, a modesta barbearia ou o boteco famoso pelos pratos regionais, está redondamente enganado. Basta lembrar que a primeira eleição para Presidente da República, depois da ditadura estadonovista (1945), foi decidida por uma fake news.

A disputa se deu entre o Brigadeiro Eduardo Gomes, um dos líderes do movimento tenentista, apoiado pela UDN e, além do respeitável currículo, era um cidadão elegante e bem apessoado; o outro candidato, o General Eurico Gaspar, ex-ministro da Guerra da ditadura Vargas que ajudou a derrubar, apoiado pelo PSD, era baixinho, carente de atributos estéticos, com o agravante de uma dicção precária que trocava o “c” pelo “x”. A percepção era favorável ao Brigadeiro.

Diante do cenário adverso, Hugo Borghi, um dos líderes políticos do PTB e dono de empresas de comunicação (rádios) atribuiu e divulgou, amplamente, na imprensa uma frase que o candidato adversário, num discurso da companha, proferira: “Não preciso do voto dos ‘marmiteiros’”, com a conotação ofensiva em relação aos trabalhadores humildes que levavam as refeições na marmita para o local de trabalho.

Pois bem, a palavra, jamais pronunciada pelo candidato, serviu de slogan da campanha complementada por um “ele disse…”. A grande maioria dos apoiadores e correligionários não se deram conta do risco e, somando-se ao veneno da palavra (fake) e peso do apoio de Getúlio na reta final da campanha, Dutra venceu a eleição por 3,3 milhões de votos contra 2,0 milhões do candidato udenista.

Na luta pelo voto, as campanhas importam. E como importam! No conjunto, se assemelha com o mercado de bens e serviços, concorrência e persuasão do “consumidor”. No entanto, funciona movida por uma lógica própria. Fácil entender: no “mercado político” candidato não é um sabonete, a decisão do voto, como manifestação de uma preferência coletiva, é um mistério não desvendado e a novel ciência do marketing exige uma organização e gestão multidisciplinares movidas por um esforço incansável.

A despeito da base tecnológica e métodos científicos, não se deve desprezar o pragmatismo, a sensibilidade, a experiência e a intuição política dos candidatos. A sabedoria começa no registro de nomes e apelidos, observadas regras atuais (máximo de 30 caracteres) dos respectivos Tribunais Regionais Eleitorais para constar nas urnas eletrônicas e que “não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente” (o que permite juízos subjetivos).

Seguem alguns de exemplos de uma lista imensa. Xuxu do Povo, Olinda, União/PE, (sub-judice); Orlando Cannabis, Goiania, MDB-GO; Quito Formiga, São Paulo, MDB-SP; 100 Mizéria, São Paulo, SD-SP; Negona do Bolsonaro, Rio de Janeiro, PL-RJ; Pouca Roupa – São Sebastião do Alto, PRD-RJ; Luis Papai Noel do Leblon, Rio de Janeiro, Partido Novo; Zé Gotinha da Floresta, Manaus, Avante-AM; Engraxate das Estrelas, Rio Branco, União-A;, Cal do Picolé e Lu du Pru, Recife, Federação PSOL/Rede.

Por mais bizarro que possa parecer, a escolha do nome representa uma aderência do candidato a uma quantidade eleitores por menor que seja. Outra hipótese é a ideia de protesto como uma expressiva reprovação à política tradicional a exemplo de dois casos clássicos: a rinoceronte Cacareco, emprestada pelo Zoológico do Rio de Janeiro ao de São Paulo, obteve cerca 100 mil votos, “candidata” mais votada na eleição municipal de 1959; o Macaco Tião, lançado a candidato a Prefeito pelo Rio de Janeiro pela revista humorística, Casseta Popular, em 1988, obteve 400 mil votos (terceiro colocado) tornando-se o chimpanzé mais famoso do mundo.

No Recife, nas décadas de setenta e oitenta, voto de protesto somado ao reconhecimento de um trabalho solidário elegeu e reelegeu vereador um negro, pobre, Brás da “carrocinha” Batista, que pedia votos empurrando uma carroça de camelô e, de fato, ajudava os mais pobres do que ele. Eu o conheci. Inteligente e solidário, elegeu-se por dois mandatos. Com uma ambulância e uma camionete, adquiridas com recursos próprios e doações, transportava enfermos e ajudava na mudança do mais necessitados. Detalhe, doava 20% do salário parlamentar ao Hospital do Câncer, doença que o vitimou ainda jovem.

O nome virou uma imagem e a imagem correspondeu à vocação de servir.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

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