O mercado contra a lógica (por Eduardo Fernandez Silva)
O risco à sobrevivência parece instinto mais fraco que a sede de lucros
atualizado
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![Presidente do BRB, Paulo Henrique Costa](/_next/image?url=https%3A%2F%2Ffly.metroimg.com%2Fupload%2Fq_85%2Cw_700%2Fhttps%3A%2F%2Fuploads.metroimg.com%2Fwp-content%2Fuploads%2F2021%2F08%2F16234458%2FPresidente-do-BRB-Paulo-Henrique-Costa3.jpeg&w=1920&q=75)
O instinto de sobrevivência é comum a todos os seres vivos, não só aos animais. Em razão dele, investimentos em extração e queima de combustíveis fósseis deveriam ser interrompidos, o quanto antes. A tragédia no RGS é uma entre centenas que passaram a ocorrer anualmente, devido à queima desses combustíveis. No entanto, há expectativa de grandes lucros futuros com o carvão, o que tem atraído investimentos no setor, conforme análise da insuspeita revista The Economist. O risco à sobrevivência parece instinto mais fraco que a sede de lucros. Ou, a (falsa) crença de que apenas os pobres sofrerão com a aceleração das mudanças climáticas ilude o mercado. Daí este estar contra a lógica!
Há riscos em apostar no carvão: com o tempo, seu consumo precisa e deve acabar. Os países ricos têm reduzido seu uso, e alguns prometeram fechar as usinas elétricas à carvão (que não tenham tecnologia de captura de carbono) em 2035. Essa queda tem sido mais que compensada pelo crescimento da demanda em vários países asiáticos, como a Índia e a indonésia. Os preços da mercadoria explodiram após o início da guerra na Ucrânia, mas já caíram, e se mantêm acima do nível anterior à guerra. Preocupações com as mudanças climáticas são fracas em relação às aflições com segurança energética e à busca por lucros. Incrível, mas o suposto sapiens valoriza menos a própria sobrevivência do que a manutenção de um modo de vida que a inviabiliza!
Afirma a revista que bancos, mesmo europeus, têm financiado o comércio do veneno, cujas exportações atingiram um recorde em 2023. Fundos de investimento têm adquirido minas de carvão, na expectativa de que a oferta do produto caia mais rapidamente que seu consumo, o que levaria grandes lucros futuros.
Essa não é a primeira vez que as leis de mercado nos conduzem a desastres e guerras. São muitos exemplos, desde a crise das tulipas na Europa no século XVII às mais recentes Grande Depressão e a crise imobiliária, esta há menos de vinte anos. Na década de 1930, a insistência política no mito da sapiência da “mão invisível” do mercado agravou a depressão, só superada por novas ideias, novos programas, novas alianças políticas mais democráticas e, infelizmente, uma nova guerra.
Além dessas crises, digamos, ocasionais, há outra ainda mais grave e permanente: com todo o dano à biosfera que essas leis que buscam o “crescimento”, a acumulação, ajudam a provocar, elas não foram capazes de resgatar 80% dos humanos da miséria, pois tal é a proporção dos nossos iguais que vivem hoje com menos de US$10,00/dia!
Essas leis são de origem humana, e não divina, e são necessárias coragem e novas ideias para saber como alterá-las, para ampliarmos as chances de sobrevivermos. Exatamente como redefini-las ainda não é sabido; sabe-se, porém, que não são alternativas desejáveis a Rússia 1917, a China 1949 e a Cuba 1959, o mesmo valendo para os contendores da guerra fria, que volta a se repetir.
A imaginação criativa, um recurso humano, precisa funcionar e nos oferecer caminhos a trilhar. Sempre mais democráticos, participativos. Por uma questão de sobrevivência!
Eduardo Fernandez Silva . Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados