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O inferno fiscal de Bolsonaro (por Everardo Maciel)

Há muito que falar sobre esse malsinado projeto de contrarreforma tributária.

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Neste artigo examino alguns pontos da extensa proposta de reforma da tributação da renda (68 artigos e algumas centenas de outras normas, incluindo uma mixórdia de sibilinas revogações), encaminhada ao Congresso Nacional.

Em linhas gerais, o projeto de lei é uma requintada combinação de ressentimentos, desinformação e demagogia, resultando na mais ousada pretensão de aumento da carga tributária, nos tempos recentes. Faz lembrar a descrição do inferno feita por Dante, em A Divina Comédia: é o caos impiedosamente ordenado.

A vitrine do projeto, consistindo na elevação do limite da isenção do imposto de renda das pessoas físicas (IRPF) para R$ 2.500,00 mensais, tem motivação declaradamente eleitoral, o que não pode ser tomado como pretexto para desqualificar a iniciativa, mas a macula.

Mais importante, entretanto, é aquilatar os efeitos dessa elevação, minimamente em relação ao universo, certamente grande, de contribuintes que ficarão isentos de declarar. Esses contribuintes terão, no máximo, um modestíssimo ganho mensal de sete reais e cinquenta centavos, o que não dá sequer para comprar um quilo de pão francês.

Para compensar a significativa perda de arrecadação decorrente desse pífio ganho individual do contribuinte concebeu-se, meticulosamente, uma usina de maldades para outros contribuintes, a começar pela vedação à opção pelo desconto simplificado para as pessoas físicas com rendimento anual entre 40 e 83,7 mil reais, que em significativa maioria fazem uso daquele desconto. Em outras palavras, haverá aumento da tributação sobre a classe média, quando se alardeia, sem nenhum pudor, que não haveria aumento de carga tributária.

Esse aumento de tributação, todavia, não se restringe apenas à classe média, mas um expressivo número de empresas.

Gerou-se, no País, uma polêmica insubsistente sobre a tributação de dividendos, talvez induzida pelo erro de qualificar como isenção o que de fato é uma tributação exclusivamente na pessoa jurídica, tal como ocorre com determinadas aplicações financeiras.

Ao optar por investimento em uma empresa, o investidor almeja retorno, que se efetiva por meio da distribuição de dividendos. Esses, por sua vez, têm seu valor afetado pela tributação no lucro e na distribuição.

Portanto, exsurgem três possibilidades: a tributação exclusivamente no lucro ou na distribuição dos dividendos, ou em ambos os casos. A opção por uma dessas formas de extração tributária é uma questão estritamente técnica.

A tributação exclusivamente do lucro tem óbvias vantagens sobre as outras duas opções: é mais simples, previne a evasão mediante distribuição disfarçada de lucros de dificílimo controle, não se sujeita a restrições (temporárias ou não) aplicadas à distribuição de dividendos e favorece a liberdade econômica ao permitir que o investidor reinvista, invista em outra empresa, aplique no mercado financeiro ou até mesmo venha a consumir.

A opção pela tributação dos dividendos, como consta no projeto, se fez acompanhar de uma redução na alíquota aplicável ao lucro, o que constitui um reconhecimento tácito da intercomunicação entre a tributação do lucro e dos dividendos, observada uma equivalência de 1 para 4 entre as respectivas alíquotas.

Por essa razão, o projeto estabelece uma redução da alíquota padrão do imposto de renda das pessoas jurídicas, optantes pelo regime do lucro real, de 15 para 10%, que seria, em tese, compensada com a tributação de 20% na distribuição dos dividendos.

Ocorre que a redução se daria em dois anos: 2,5% em 2022 e os outros 2,5% em 2023. Resta óbvio que haveria aumento de carga tributária no ano eleitoral de 2022.

Se o setor imobiliário foi duramente atingido, como demonstra o tributarista Ricardo Lacaz Martins em artigo publicado ontem no Estadão, o agronegócio foi poupado já que a proposta de instituição da contribuição de bens e serviços cumpre bem a insólita missão de prejudicá-lo.

Ainda tenho muito que falar sobre esse malsinado projeto de contrarreforma tributária.

 

Everardo Maciel foi secretário da Receita Federal

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