O humor e a política (por Gustavo Krause)
Na vida pública, em especial, o senso de humor é a virtude-chave para enfrentar crises recorrentes
atualizado
Compartilhar notícia
Nos dias atuais, relacionar humor à política será uma heresia enorme. A experiência demonstra que, somente a mordacidade, a sátira, daria alguma graça ao espetáculo circense da antipolítica. Os sentimentos que prevalecem em relação aos “atores” são de rejeição, ressentimento, raiva, no mínimo indiferença ou, nos extremos ideológicos, o fanatismo com o forte tempero da bajulação.
As circunstâncias históricas deram um tom raivoso, odiento sobre, pasmem, os escolhidos como nossos representantes. Porém, o ambiente, ainda que com certa hostilidade, nunca chegou, como agora, ao “horror político”, alimentado pelo humor cáustico, em pílulas digitais, tendo como fonte inesgotável a natureza humana e sua capacidade de ser razão do ridículo e da satisfação do riso.
Nos círculos do poder o humor se manifesta como uma virtude, o senso de humor e como um risco permanente de produzir cenas patéticas que, somente, os poderosos são capazes de ser autor e vítima de cenas patéticas.
“Não se leve muito a sério”. Mais do que um conselho esta advertência é uma lição de sabedoria. Soma leveza, uma das “Seis propostas para o próximo milênio” (Companhia das Letras, 1990 – O autor faleceu antes de pronunciar as palestras) à seriedade. E inspira a definição de senso de humor.
Na vida pública, em especial, o senso de humor é a virtude-chave para enfrentar crises recorrentes. Ela entra no gabinete da Excelência de um tamanho e sai reduzida e, muitas vezes, resolvida. No primeiro impacto, é fundamental não entrar no clima. Arrodeia. Puxa por um assunto capaz de baixar o ímpeto da adrenalina. Em seguida, deixa que o suplicante esvazie a cabeça de problemas existentes para dividir com ele as alternativas de soluções, se houver.
Assim se tratam assuntos com seriedade o que não se confunde comsisudez, a máscara da hipocrisia. O sisudo tem por hábito esconder por traz da cara de brabo, muita sacanagem. E se acha o cara mais honesto do mundo; declama loas à moralidade e, na verdade, grande sacana. O rigor da sisudez é um mecanismo de defesa que alimenta mitos e encobre grandes mentiras interiores.
De um deles, ouvi uma sincera confissão em virtude da Lei 6091 de 15 agosto de 1974 – Lei Etelvino Lins que adotava providências moralizadoras sobre a oferta de transporte e alimentação aos eleitores. “E agora, Deputado, está mais difícil “abastecer e comprar” voto de “curral”! Ele, calmamente, respondeu: “Tô tranquilo. Não compro, vendo”. Naquele tempo, não se negociava por atacado. Era um modesto varejo.
Em matéria de situações risíveis, fui plateia, testemunha e vítima. Teria uma penca da causos, mas prefiro uma prosa privada. No meu caso, não me faço de rogado: Festa de inauguração da urbanização do Sítio das Palmeiras (invasão na época da revolução cubana. O nome original era “Cuba” e o líder comunitário atendia pelo apelido de “Fidel Castro”, mas em 1964, o povo que não é besta mudou os nomes).
De fato, era um lugar paupérrimo porém com uma liderança aguerrida, uma freirinha quase santa que mantinha um coral chamado de “canarinhos”. Tomei a decisão (recursos do antigo Banco Nacional de Habitação) de urbanizar, ampliar a escola, posto de saúde e creche. Vária vezes, visitei as obras e criamos com a comunidade laços de compromisso e de afeição.
Pois bem, para a festa de inauguração, além de deputados, vereadores, o governador Marco Maciel, convidei o providenciei transporte para vários amigos que moravam nos bairros elegantes do Recife.
Palanque cheio, e o locutor de nome e voz inesquecíveis Hildebrando Hidelfonso, entrava em êxtase nessas ocasiões, falava, gritava berrava e, naquela bela noite, achou de anunciar as autoridades, despejando todos os adjetivos que conhecia. Está chegando o vereador, dizia o nome e tome impoluto, trabalhador, honesto, sincero, grande orador.
Cumprimentado as pessoas, abraçando os eleitores (pensava que estava abafando), fui o último a ser anunciado. Hidelbrando, a pleno pulmões, chamou o Prefeito, desfiou um rosário de adjetivos, esgotou e, exatamente, quando ia subindo no palanque ele concluiu com a seguinte frase: “É ele, e ele, o Prefeito, um homem, um homem…faltou adjetivo, aí ele concluiu com toda força: Um homem de alta periculosidade!!!!
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda