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O golpe em curso (por Mary Zaidan)

Resultados das eleições municipais encorpam movimento pró-anistia de Bolsonaro

atualizado

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André Bueno/Câmara de SP
Jair Bolsonaro e Ricardo Nunes
1 de 1 Jair Bolsonaro e Ricardo Nunes - Foto: André Bueno/Câmara de SP

Está tudo traçado e sendo executado para ressuscitar Jair Bolsonaro como candidato à Presidência em 2026. Os resultados do primeiro turno das eleições municipais, que deixaram o PL do ex muito bem na fita, combinados aos movimentos do próprio capitão – “sou candidato” – e de seu filho 01, senador Flávio Bolsonaro, expresso em artigo publicado sexta-feira em O Globo, não deixam dúvida: a ideia é criar ambiente para o golpe, mandando às favas a inelegibilidade determinada pelo TSE.

Bolsonaro reafirmou sua candidatura ao reagir a uma entrevista do presidente do seu partido, Valdemar da Costa Neto, que entronou o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) como o “número 1” na lista dos presidenciáveis da direita. Em jogo combinado, o ex fingiu que não ouviu que Costa Neto se referia à “eventual” manutenção da inelegibilidade do capitão.  “Se essa inelegibilidade continuar, eu jogo a toalha, não acredito mais no Brasil, o meu país, pelo qual dou minha vida. Eu só tenho um caminho, antes que me matem ou façam algo pior”, ameaçou, em tom dramático.

Ato contínuo, Costa Neto tornou pública a chantagem de seu PL, dono da maior bancada no Senado (14 senadores) e da terceira da Câmara (92 deputados). Quem quiser esses votos para a sucessão da presidência das duas casas, em eleições que ocorrerão no início do próximo ano, terá de se comprometer com a anistia para Bolsonaro.

A pretensão é incluir a queda da inelegibilidade no projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023, do ex-deputado Major Victor Hugo (PL-GO), que acabou de se eleger vereador, o mais votado de Goiânia. Uma anistia que avança. O relatório do deputado Rodrigo Valadares (União-SE), lido no último dia 8 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, recomenda a aprovação da matéria e só não foi votado por um providencial pedido de vista de adiamento para depois do segundo turno.

O texto perdoa os crimes dos extremistas que depredaram os palácios do Planalto, do Supremo e do Congresso Nacional, cancela multas aplicadas pela Justiça, revoga condenações transitadas em julgado e garante a manutenção dos direitos políticos dos envolvidos, além de “descriminalizar” mobilizações antidemocráticas nas redes sociais. Esse ponto já beneficia o ex, mas só na esfera criminal, suspendendo a investigação em curso no STF de ter incitado os atos golpistas em vídeo publicado nas redes sociais.

Há ainda incursões junto aos “inimigos” TSE e STF. Hoje, beira a ficção imaginar que essas cortes topem suspender a inelegibilidade de Bolsonaro. Mas tudo é possível. Até novembro de 2019, o presidente Lula estava preso e inelegível. Como em um passe de mágica teve sua sentença suspensa por alegado erro de foro e por suspeição ainda não julgada do ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro. A turma do ex aposta ainda no ministro bolsonarista Nunes Marques, que presidirá o TSE no ano eleitoral de 2026.

Cabe dizer que passados mais de dois anos dos delitos de Bolsonaro, nada avança na área criminal. O ex-PGR Augusto Aras engavetou e anulou o que pôde. O atual, Paulo Gonet, fez saber via auxiliares tagarelas que deverá denunciá-lo após as eleições. Incrível um país que considera normal a Procuradoria-Geral da República esperar as urnas antes de denunciar crimes de um ex-presidente – ou de qualquer um.

Isto só reforça a tese dos bolsonaristas. Com o resultado da primeira etapa das eleições debaixo do braço e com o que ainda pode vir em várias das cidades em que disputam o segundo turno, o PL e aliados do ex estão convencidos de que a inelegibilidade está com os dias contados. “O projeto conservador-cristão, liderado por Bolsonaro, foi claramente endossado pelos eleitores. Agora, cabe ao sistema político compreender a mensagem, desfazer as injustiças e permitir que o capitão seja testado novamente nas urnas…”, vaticina o 01, como se o papai tivesse sido o principal avalista das vitórias municipais da direita e centro-direita.

Nessa seara, o grande vencedor foi o PSD de Gilberto Kassab, secretário de Governo de Tarcísio, que, com três ministérios no governo Lula, mantém os pés firmes nas duas canoas. Bolsonaro perdeu no primeiro turno no Rio de Janeiro, seu domicílio eleitoral, está atrás em Belo Horizonte, e em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, engajou-se tardiamente à campanha do prefeito Ricardo Nunes (PMDB).

Os mais afoitos alardeiam divisão irreconciliável na direita, opondo Valdemar a Bolsonaro e Tarcísio ao padrinho-mentor. Bobagem pura. Tarcísio, que desde o início apoiou Nunes na capital paulista, onde Bolsonaro, em namoricos com Pablo Marçal, vacilava, tem fidelidade canina. Fará o que o chefe mandar. O contrário seria como imaginar uma traição de Dilma Rousseff a Luiz Inácio Lula da Silva. Pode até dar coceira, mas não rola.

O fracionamento da direita até existe, mas não permite ilusão ou engano: o golpe pró-anistia em curso tem o condão de uni-la.

É de arrepiar.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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