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O Fundador (por José Sarney)

Comemoramos os duzentos anos da Constituição de 1824

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Matheus Veloso/Metrópoles
Réplica gigante da Constituição é colocada em frente ao Palácio do Planalto
1 de 1 Réplica gigante da Constituição é colocada em frente ao Palácio do Planalto - Foto: Matheus Veloso/Metrópoles

Comemoramos os duzentos anos da Constituição de 1824. Sua gênese são as forças contraditórias que agiam quando se inaugurava a Nação e que se expressavam no próprio Pedro I. No jovem imperador se acumulavam os conflitos: o passional e o refletido, o romântico e o herdeiro das luzes, o príncipe e o democrata, o homem de ação e o homem de concepção. Era muito jovem — lembremos que nascera dois anos antes do século —, tivera uma educação caótica, sua mãe e seu pai se odiavam, tinha sentimentos por Portugal e pelo Brasil. Era puxado por todos os lados: pela família real, pelas Cortes portuguesas, pelas várias correntes políticas brasileiras, pela amante, pela esposa — e por José Bonifácio de Andrada e Silva.

Insisto nessa figura que foi — e é — tão admirada, mas, ao mesmo tempo, é tão ignorada. Ao contrário de Pedro, o Andrada teve uma vida de espantosa coesão. Nascido em 1763, em Santos, passa dos 16 aos 20 anos se preparando para estudar em Coimbra. Ali segue os cursos jurídicos, de matemática, de filosofia. Em 1789, já vivendo em Lisboa, entra para a Real Academia das Ciências. Habilita-se para magistrado. O duqu Coluna de 18 de junho de 2024 e de Lafões, fundador da Academia, o envia para uma viagem científica pela Europa. Assiste à consagração da

Revolução Francesa antes de seu dilaceramento na guerra de facções. Enquanto estuda, relaciona-se com os sábios franceses, como Lavoisier, alemães, como Werner e Humboldt, e visita ainda instituições boêmias, húngaras, dinamarquesas, norueguesas, suecas. Torna-se membro de várias academias de ciências. Em Portugal, retoma os trabalhos científicos. Torna-se doutor em Direito e Filosofia, professor de Coimbra, intendente das Minas e Metais do Reino, desembargador no Porto, secretário-perpétuo da Real Academia de Ciências. Anseia por voltar para o Brasil.

No entanto, quando a Corte foge para o Brasil, ele fica em Portugal. Em 1808 e 1809 luta, com destaque, contra os franceses. Torna-se um herói. Acumula cargos e encargos, trabalhos e memórias científicas. Finalmente, em 1819, prepara-se para voltar. Despede-se da Academia, fala da obrigação de Portugal com o novo Reino do Brasil. “E que país este, senhores, para uma nova civilização e para novo assento das ciências! Que terra para um grande vasto Império!”

Encontra um país pouco mudado. Explorando São Paulo numa viagem científica, comenta: “a sorte [dos] índios merece toda a nossa atenção, para que não ajuntemos ao tráfico vergonhoso e desumano dos desgraçados filhos da África o ainda mais horrível dos infelizes índios de quem usurpamos a terra, e que são livres não só conforme a razão, mas também pelas leis”. Anota: “No Brasil há um luxo grosseiro a par de infinitas privações de coisas
necessárias.” “As ciências e as letras estão por terra, tudo o que interessa é saber comprar e vender açúcar, café, algodão, arroz e tabaco.” Quer vacinar os índios, lamenta que não tenham sido integrados na sociedade desde o descobrimento. Quer estudar portos e vias navegáveis. Revolta-se com as queimadas. “Destruir matas virgens, […] a natureza nos ofertou com mão pródiga […], extravagância é insofrível, crime horrendo, e grande insulto feito à mesma natureza.” Quer ensino superior. Quer o negro livre e com terra para trabalhar.

Sua chegada coincide com a Revolução Constitucionalista do Porto e com as exigências que se põe para o Brasil. Com as dificuldades do rei e do príncipe. Logo se envolve na política. Antes mesmo de encontrar-se com Pedro e Leopoldina — que nele encontra alguém para confiar —, torna-se a voz dominante. Forma o governo que sucede ao Fico. Em junho de 1822 convoca a Assembleia Constituinte. A 6 de agosto fala às “potências amigas”: “[O] Brasil proclama à face do universo a sua independência política.”

Em setembro é por conselho conjunto seu e de Leopoldina que Pedro dá o grito do Ipiranga. Segue-se a consolidação da independência. A 3 de maio de 1823 inaugura-se a Constituinte. A voz dominante é a de José Bonifácio e de seus irmãos. Ele insiste em suas ideias: ensino, integração de índios e negros, reforma agrária. A 23 de novembro a amizade do imperador acaba: fecha-se a Constituinte, prendem-se e exilam-se os Andradas.

Ainda escreve de Bordeaux pedindo o fim da escravidão: “[… sem ele nunca o Brasil firmará a sua independência nacional e segurará e defenderá a sua liberal Constituição.”

Joaquim Nabuco indagará se a desgraça política de José Bonifácio não veio de suas ideias sobre a escravidão e a reforma agrária. Lutas que ele — e o Brasil — perderam.

Mas a ele devemos, paradoxalmente, a Constituição de 1824 — que Pedro I prometera, sem cumprir, fazer duplamente mais liberal —, a unidade nacional, o predomínio do Poder civil, a independência.

Ainda é preciso lembrar suas outras ideias: a integração das raças, o fim da desigualdade, o respeito à ciência e à cultura, o amor desenfreado pelo Brasil.

José Sarney, ex-presidente

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