O fim do mundo (por Tânia Fusco)
Vovô, o mundo tá indo pro brejo. Anda muito próximo de ponto sem retorno
atualizado
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Meu avô Zezé teve certeza que o mundo ia acabar quando anunciaram que o homem pisaria na Lua. Inclusive, uma cadelinha já havia chegado lá.
Inconformado com as minissaias e os biquinis, antes mesmo que o homem pisasse na lua, vovô, que era do final do século 19, nos idos de 60, teve certeza que o fim do mundo batia às nossas portas.
Interiorano, sentado na varanda externa da casa, apreciava moças desfilando com suas minis cada vez mais minis. Não se benzia. Ao contrário, curtia, que ninguém é de ferro. Como o mundo iria acabar mesmo, não custava nada passar os olhos naquelas pernas todas.
Finalmente, o homem pisou na Lua, com transmissão direta pra todo mundo. Vovô Zezé teve certeza que era farsa quando soube que eram os Estados Unidos os exibidores da façanha.
Na terra do cinema? Transmissão direta? Ah vá! Acredite quem quiser!
Vovô morreu nos anos 80 com a crença de que, usando truques de cinema, os americanos falsearam a chegada do homem à lua. O que dava mais tempo ao mundo.
Os sinais de fim, no entanto, seguiam céleres. Veio o desquite*, depois o divórcio. O que fechava a conta final.
Em 2024, o mundo segue no balança, mas não cai.
A guerra fria acabou e a corrida pra lua, agora nas mãos da iniciativa privada, passou a caçar níqueis de novos ricos, oferecendo pacotes futuros com a emoção de, em grupo e tomando muita Piña Colada, curtir um finde irado, na Lua.
A violência das armas de guerra permite que uma cidade inteira seja destruída com um só disparo. No momento, Rússia, Ucrânia e Israel estão empenhadas em promover o fim do mundo. Com armas potentes, barbarizam.
Vovô Zezé teria certeza do fim próximo se soubesse que, só no ano passado, pilotos de aviões brasileiros relataram 35 casos de “tráfego hotel”. O que na linguagem da aeronáutica significa visão clara de “objetos voadores não identificados” – os óvnis.
Estão mesmo andando por aí, vovô. Mas, parece, abismados com as grandes M que temos feito, ainda não decidiram se vale a pena invadir e ficar com a roubada que é hoje o planeta Terra.
Só pra resumir irresponsabilidades, neste final de semana, para enfraquecer o governo, grupos de extrema direita aproveitaram o auge da seca e incendiaram o país. Comparadas a anos anteriores, as queimadas saltaram 338%, em São Paulo. E de 276%, em Mato Grosso.
Estão se lixando se, com isso, maltratam e matam o planeta e seus habitantes.
O aquecimento global assusta e faz vítimas. Nos últimos tempos, as águas dos oceanos têm subido em velocidades nunca vistas. O Pacífico esquenta sem parar e, em 30 anos, estará 15 cm mais alto. Na costa do Rio de Janeiro serão 21 cm, em 50 anos. A previsão é que cidades, ilhas, países vão desaparecer, devorados pelas águas crescentes – sujas e furiosas.
Por último, vovô, você que, como bom mineiro, amava JK e Tancredo, saiba que a cadeira de Prefeito de São Paulo – a maior cidade do Brasil – corre risco de ser ocupada por um ilusionista.
Produto da parte péssima do mundo digital, o tal é mais um com título de “influencer” (e/ou “coach”) que enricou ofertando dezenas de cursos. A custos variando de 500 reais a 200 mil, as lições vendem a ilusão de ensinar a ser rico e feliz. Isso sem contar os cursos da esposa, especializados em fazer famílias unidas e felizes.
Mais de 13 milhões de pessoas seguem o sujeito. Quantos enricaram não sabemos. Também ninguém pergunta. Certo é que, em ascensão nas pesquisas, já é objeto de desejo da Faria Lima, onde mora o dinheiro nacional de letra maiúscula.
Vovô, o mundo tá indo pro brejo. Anda muito próximo de ponto sem retorno.
*Desquite – separação de casamentos, consentida por lei, que antecedeu o divórcio.
Tânia Fusco jornalista