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O festival da bondade orçamentária

Ao governo será permitido enviar dinheiro a todo tipo de interesse paroquial que lhe traga dividendos políticos

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1 de 1 plenario da camara dos deputados votacao - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Editorial de O Globo

Talvez a única virtude da Lei Orçamentária de 2022, recém-aprovada no Congresso, seja ter sido concluída antes do exercício a que se destina — é preciso reconhecer. Mas é só. A razão para a presteza insólita nada tem de virtuoso. Trata-se da avidez com que, uma vez rompido o teto de gastos, Brasília se lançou afoita, na antessala do ano eleitoral, sobre a chance de distribuir agrados. O principal mecanismo para isso são as emendas parlamentares que somarão R$ 37,5 bilhões, incluindo aí as famigeradas emendas do relator, o mecanismo por trás do orçamento secreto, no total de R$ 16,5 bilhões. Mesmo que, graças à ação do Supremo Tribunal Federal (STF), estas últimas se tornem mais transparentes, ainda permitirão ao governo enviar dinheiro a todo tipo de interesse paroquial que lhe traga dividendos políticos.

O festival da bondade orçamentária não ficou por aí. O fundão eleitoral foi orçado em R$ 4,9 bilhões, quando R$ 2,1 bilhões (valor gasto em 2018 corrigido pela inflação) bastariam para bancar as campanhas. Os policiais federais levaram um reajuste que custará R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos. Apenas extinguindo as emendas do relator, esse aumento descabido para a PF e restringindo o fundão, teria sido possível economizar R$ 21 bilhões dos R$ 113 bilhões estimados para o estouro do teto.

O pretexto alegado para sacrificar a última âncora fiscal do país — implantar o Auxílio Brasil — representará menos da metade do estouro (R$ 54 bilhões). É essencial ter os números em mente quando o cinismo da classe política insistir que a ruptura do teto era necessária para financiar gastos sociais. Quanto aos investimentos, outro pretexto para desdenhar a responsabilidade fiscal, o valor estimado é de tímidos R$ 44 bilhões, ou menos de 0,5% do PIB previsto para 2022.

Obras de infraestrutura, em hospitais, escolas ou outras não são as únicas preteridas. Para abrir espaço a gastos, os congressistas cortaram até a previsão de despesas obrigatórias, como pessoal, Previdência ou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos e deficientes, também parte da rede de proteção social do Estado. É possível que as despesas obrigatórias estivessem superestimadas — mas ainda somam 94% do Orçamento.

A principal restrição aos investimentos e gastos sociais continua intocada: o crescimento incessante dos gastos com funcionalismo e uma estrutura tributária que reduz a arrecadação, ao privilegiar grupos de interesse organizados. O Orçamento continua a ser um reflexo de políticas públicas implantadas sem critério de eficiência e da relutância do Congresso em enfrentar as corporações e lobbies que resistem à urgência das reformas tributária e administrativa. Para os parlamentares, aparentemente nada disso importa diante da iminência da eleição.

Quando falava em devolver o controle orçamentário ao Congresso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, imaginava um mecanismo mais democrático de distribuir recursos. Em vez disso, o governo abriu a porteira à apropriação do Orçamento por interesses políticos e pela elite do funcionalismo. O reajuste da PF parece só o começo. Auditores fiscais e outras categorias já se mobilizam. Para tapar o previsível buraco que resultará da soma de inúmeras demandas, o jeito será recorrer ao truque conhecido: receitas ampliadas pela inflação. E o dinheiro na mão dos pobres valerá menos. Eis o legado deste governo à economia brasileira.

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