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O fascismo vive? (por Gustavo Krause)

O fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo

atualizado

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Diego Bresani/Divulgação
A Máquina que Matava Fascistas Foto Diego Bresani (1) (1)
1 de 1 A Máquina que Matava Fascistas Foto Diego Bresani (1) (1) - Foto: Diego Bresani/Divulgação

No clima da radicalização atual, o fascismo se despe das origens históricas e dos significados atuais e se resume a uma colagem infamante no confronto das ofensas predominantes o que deveria ser um debate público. Por conta do seu rastro demolidor das democracias, das liberdades e de uma sociedade aberta e livre, terá sempre uma carga destrutiva do pensamento e do ambiente pacífico da civilização.

A resposta mais consistente à reflexão filosófica e política aos que estudam o fenômeno, desde seu nascedouro, consta da conferência pronunciada por Umberto Ecco, em 25 de abril de 1995, na Columbia University para celebrar a libertação da Europa ao afirmar “Aqui estamos para recordar o que aconteceu e declarar solenemente que ‘eles’ não podem repetir o que fizeram. Mas quem são ‘eles’”?

Responde Umberto Eco: “Toda a segunda guerra foi definida no mundo inteiro como uma luta contra o fascismo […] Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria: tinha apenas uma retórica [..] O fascismo sequer era uma só essência; não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de ideias políticas e filosóficas, uma alveário de contradições”.

De outra parte, assinala Eco, “Mein Kampf é o manifesto completo de um programa político. O nazismo tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa da ‘arte degenerada’, uma vontade de potência do Super Homem” […] O fascismo não tinha bases filosóficas, mas do ponto de vista emocional era firmemente articulado a alguns arquétipos”.

Diz o autor que, apesar dessa confusão é possível indicar uma lista de características típicas daquilo que chama de “Ur-Fascismo” (ur, prefixo que significa origem) ou “fascismo eterno”, características que não podem se reunir num sistema, mas qualquer delas que se apresente pode formar uma “nebulosa fascista”.

Alguns autores enumeram onze, outros treze e Umberto Eco, quatorze, a saber:

Culto à tradição. A verdade já foi revelada e anunciada. Comporta apenas interpretações da obscura mensagem.

Recusa à modernidade. O novo é uma perversão à ordem natural. Prevalência do negacionismo. Irracionalismo.

O culto da ação pela ação. Para o fascismo “pensar é uma forma de castração”.

Recusa ao pensamento crítico. Para o fascismo, desacordo é traição.

A repulsa à diversidade. Medo natural da diferença. Racista por definição.

O apelo ao sentimento de frustração e ressentimento. Mobilização do ódio.

Nacionalismo como identidade social. Estrangeiros são inimigos. Apelo à xenofobia para superar a obsessão da conspiração.

A vida como uma guerra permanente. Não há luta pela vida, mas a “vida para luta”. O pacifismo é um conluio com o inimigo.

O inimigo e sua força humilhante deve ser batido, porque na essência são fracos. Os fascistas têm uma incapacidade real de avaliar a força do inimigo.

– O heroísmo como norma. A educação cultua a mitologia do ser excepcional, estreitamente ligado ao culto da morte. Na guerra da Espanha, os falangistas tinham como mote “viva la muerte”.

O machismo é uma virtude. Desdém pelas mulheres, condenação da homossexualidade. As armas refletem um simbolismo fálico.

O elitismo reflete a visão reacionária. Pregam o elitismo popular identificado no homem de bem, forte e um consequente desprezo pelos fracos.

O populismo qualitativo. O povo é uma ficção teatral. Deveria exprimir uma vontade comum. Mas é o líder quem interpreta a vontade comum.

O Ur-Fascismo fala a novilínguainventada por Orwell no clássico 1984.

Ao concluir, adverte: “O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo”.

E acrescenta sabiamente: “Liberdade e libertação são uma tarefa que não acaba nunca. Que seja este o nosso mote: Não  esqueçam”

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda 

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