O discurso do ódio (Por Miguel Esteves Cardoso)
O discurso do ódio é negativo, invejoso, vingativo, obsessivo, megalómano, missionário. Não é só perigoso – é mesquinho
atualizado
Compartilhar notícia
Diz-se que “já não há fascismo nem nazismo”. Pois não. Mas a natureza humana não mudou, e os instintos humanos que levaram ao fascismo e ao nazismo continuam a ser os mesmos de sempre.
O partido nazi também começou por ser um partido pequeno e jovem, destemido e sério, populista mas impopular. É ao princípio do partido nazi que temos de ir buscar as comparações com o dia de hoje: quando ainda podia ter sido derrotado.
Os fascistas e nazis eram antidemocratas que aproveitaram a democracia para dar cabo dela: para eles, era delicioso usar as armas do inimigo para o deitar abaixo. Eram contra tudo, excepto eles próprios: é esta a característica mais óbvia.
Na política, o impulso é quase sempre construtivo, optimista e, por defeito, generoso: traça-se um futuro que é melhor para todos, e depois trata-se de lá chegar.
Quando essa esperança falha, como falhou logo à entrada dos anos 1930, há duas reacções: uma é traçar um novo futuro e começar a tentar caminhar para lá, e outra é ir à procura dos culpados por tudo aquilo que correu mal.
Tanto faz serem os judeus, ou os emigrantes, ou os capitalistas, ou os democratas, ou os marxistas. Elegem-se os culpados e depois trata-se de os castigar. É esse o discurso do ódio: a energia é gasta na caça aos bodes expiatórios.
É como diagnosticar um cancro para explicar a pobreza e o desespero de um indivíduo. Ele está pobre porque está a ser comido por um cancro. Temos de encontrar esse cancro e arrancá-lo do corpo dele. Só livre desse cancro é que ele poderá animar e enriquecer.
É fácil distinguir as pessoas e os partidos ou organizações políticas que vivem da identificação destes inimigos. Vêem-se como exterminadores de parasitas, como oncologistas, como combatentes. É a violência que os fascina. Basta arranjar uma desculpa, um alvo para essa violência.
O discurso do ódio é negativo, invejoso, vingativo, obsessivo, megalómano, missionário, monocórdico e fantasista. Não é só perigoso – é mesquinho.
(Transcrito do PÚBLICO)