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Raul Seixas tinha razão. Quando a Terra parar, nenhum de nós vai escapar das consequências. O que o Raul não sabia quando compôs o rock “O dia em que a Terra parou” é que isso vai acontecer quando a corrente meridional do Oceano Atlântico colapsar. Essa corrente de águas marinhas quentes e frias, que circula o mundo de norte a sul, é uma espécie de fábrica de vida no planeta.
Em tradução ligeira, a água quente do Atlântico Sul segue para o Polo Norte por correntes oceânicas superiores, mas sofre um resfriamento ao chegar nas redondezas da Groelândia. Com isso, mergulha e retorna para o sul por correntes profundas, realimentando um ciclo permanente de distribuição de calor, nutrientes e salinidade entre todos os oceanos, estabilizando a temperatura do planeta e as condições de vida marinha e terrestre.
Se esse motor da natureza desacelerar bruscamente, as consequências podem ser, entre outras, o resfriamento extremo do hemisfério norte, calor e secas intensos no hemisfério sul, elevação do nível do mar e até mesmo extinção em massa.
Em 1951, a Terra já havia parado no filme “O dia em que a Terra parou”. A humanidade vivia o auge da ressaca da II Guerra Mundial e começava a sentir a tensão da Guerra Fria, quando Hollywood lança a história da chegada de um robô extraterrestre que ameaçava julgar e castigar a humanidade caso insistíssemos em travar guerras de aniquilação em larga escala.
Uma freada brusca do sistema de correntes do Atlântico também já aconteceu anteriormente, há milhares de anos, mesmo sem a intervenção humana. A diferença agora é que, a partir da revolução industrial, a humanidade afundou o pé no acelerador das emissões de gases efeito estufa e da devastação ambiental, intensificando o aquecimento global e pondo em risco o modo de vida como conhecemos, ao invés de se preparar para amenizar ou se adaptar a esses extremos climáticos.
É o que demonstram estudos científicos publicados nos últimos anos por revistas renomadas como Nature e Science. Os dados sobre o sistema de correntes oceânicas foram submetidos a modelos de simulação em computador que comprovam uma tendência de desaceleração mais rápida do que seria de se esperar naturalmente.
Isso ocorre porque, devido às mudanças climáticas, o derretimento acentuado de geleiras e outros volumes de gelo natural nas últimas décadas aumentou a proporção de água doce desembocada nos mares, catalisando alterações desastrosas na temperatura, velocidade, profundidade e densidade das correntes marítimas planetárias.
Caso voltasse hoje à Terra, quem sabe, o juiz robô alienígena nos impusesse um novo ultimato, dessa vez não apenas contra as guerras, mas principalmente contra nossa obsessão por raspar o tacho dos recursos do planeta. Raul Seixas, rogai por nós.
Felipe Sampaio: atual diretor de gestão da informação no ministério da Justiça; cofundador do Centro Soberania e Clima; chefiou a assessoria especial dos ministros da Defesa (2016-2017) e da Segurança Pública (2018);
foi secretário-executivo de segurança urbana do Recife (2019-2021).