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O declínio da empatia é um risco democrático (Por Pedro Adão e Silva)

Há muitas explicações para este declínio da empatia, mas nenhuma tão poderosa como o isolamento social potenciado pela tecnologia

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Existe uma percepção generalizada de que assistimos a um declínio da empatia nas nossas sociedades. A capacidade para individualmente nos ligarmos com alguém que não partilha a nossa idade, religião, cultura, etnia ou condições socioeconómicas está a diminuir, enquanto crescem a desconfiança face ao outro e o individualismo, potenciando uma cultura de ressentimento e fomentando a polarização social. Não faltam manifestações concretas disto mesmo: do modo como a imigração se está a transformar no tema social central nas nossas sociedades, passando pelos fenômenos de bullying e as formas persistentes de humilhação institucional, até à cultura de ódio que grassa nas redes sociais.

O declínio da empatia não é uma tendência passageira, bem pelo contrário: trata-se de uma causa profunda para a desagregação social que afeta as democracias. Num discurso marcante, feito num encontro com estudantes em Istambul, em 2009, Barack Obama alertava que “o déficit de empatia é mais grave do que o déficit orçamental. Tornámo-nos tão cínicos que parece ingênuo acreditar que podemos compreender-nos uns aos outros ultrapassando o abismo da raça, classe ou religião”. Há muitas explicações para este declínio da empatia, mas nenhuma tão poderosa como a forma como o isolamento social é potenciado pelos desenvolvimentos tecnológicos.

Em todo o mundo ocidental a percentagem de agregados familiares unipessoais tem crescido e Portugal é mesmo um dos países onde a tendência é mais intensa: nos últimos censos, aumentou em 28% o número de pessoas que vivem sozinhas, perfazendo mais de um milhão – sendo que metade são idosos, o que faz de nós o 4º país da UE com maior percentagem de idosos isolados (onde já vai a nossa tradição familialística). A epidemia do isolamento social materializa-se também no decréscimo do número de amigos: por exemplo, num estudo recente, 12% dos norte-americanos reportavam não ter nenhum amigo próximo (há 20 anos o valor era residual, apenas 3%) e a percentagem que dizia ter mais de dez amigos próximos caiu de 33% para 13%. Esta propensão para o individualismo coexiste com a retração da participação em instituições que garantiam a pertença social: das igrejas aos sindicatos, passando pelos partidos.

Enquanto escasseiam os espaços de pertença coletiva, o tempo despendido nas redes sociais cresce brutalmente: em 2013, em média no mundo, cada indivíduo passava uma hora e meia por dia nas redes, em 2023, esse valor aumentou para quase duas horas e meia diárias. Enquanto os países da América do Sul e de África têm valores muito elevados, em Portugal a média é de hora e meia diária. Ao mesmo tempo, a pandemia promoveu o distanciamento social e acelerou transformações no mundo laboral, com o teletrabalho a prejudicar profundamente a forma como historicamente o trabalho foi um fator de integração social e, também, a esbater as fronteiras entre vida privada e trabalho.

Nascemos, é verdade, com uma propensão genética para a empatia, que radica nos neurónios-espelho, mas que está longe de ser suficiente para contrariar o solipsismo crescente. A recuperação de uma ideia de virtude partilhada dependerá da capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, o que acontece cada vez menos. Se coletivamente não o procurarmos, ficamos condenados a viver num crescendo de ressentimento social e com as fissuras sociais a acentuarem-se, no que é um risco para as democracias.

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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