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O debate e o gesto (por Gustavo Krause)

O pequeno/grande mundo de extensão global se postou diante do debate Biden x Trump

atualizado

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Mario Tama/Getty Images)
Imagem colorida do debate entre o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida do debate entre o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump - Metrópoles - Foto: Mario Tama/Getty Images)

O mundo da Internet, queira ou não, nos transforma em cidadãos globais sob permanente tensão entre duas realidades: uma global sem fronteiras convencionais e outra, a realidade local que nos sustenta no solo do nascimento, da origem que, hoje, entrelaçadas, não estranharia o batismo de “cidadãos glocais”.

Os acontecimentos nos chegam por uma construção tecnológica que é vista, ouvida, sentida e, até mesmo, percebida por sensações, antes, reservadas apenas para “os equipamentos” humanos.

Hoje tudo mudou. Rapidamente. Somos uma comunidade global a desafiar a argamassa que nos une em torno de valores compartilhados e na direção de um destino comum.

Sem pedir licença, notícias e imagens nos colocam diante de fatos devastadores e de possibilidades solidárias, até porque os ingredientes que nos formam individual e coletivamente são componentes na construção do bem e do mal. As fórmulas que dão sentido às novas formas de viver e conviver se desmancham e se liquefazem em instantes. E mais: contraditoriamente se liquefazem e se desmancham em tal velocidade que a transição não passa, muitas vezes, de um suspiro.

Neste mundo, vasto mundo, impera a velocidade. Avanços notáveis e assustadores, a exemplo da longevidade, contrastam com a arte de matar em massa, vítimas precoces, em guerras com apuradas tecnologias de extermínio.

Neste quadro de indescritível transformação, assume dimensão hiperbólica a luta pelo Poder, em especial, o poder político, em todos os arranjos institucionais possíveis. Na essência, porém, o poder para Max Weber é a imposição da vontade de uma pessoa ou instituição sobre os indivíduos.

A propósito, este “poder” se transforma no objeto de desejo em qualquer nível de organização ainda que disponha de contrapoderes institucionais para colocar freios na ambição desmedida do ímpeto dominador.

Com efeito, a menos imperfeita arquitetura política para impor limites e propor funcionalidade tem sido a democracia que, na verdade, é uma ideia antiga e uma experiência nova. Vem sofrendo, ao longo tempo, ataques frontais e fatais, submetida, também, a uma sutil e crescente erosão dos seus fundamentos. É o que retratam os eventos recentes nas mais sólidas democracias europeias assim como no pioneiro e complexo arranjo institucional dos EUA, todas ameaçadas pelas extremas, embaladas ao som da retórica populista.

Com processos eleitorais em andamento, na quinta-feira 27 de junho, o pequeno/grande mundo de extensão global se postou diante do debate Biden x Trump postulantes à Presidência dos EUA. Ali estavam os representantes de uma potência nuclear, com peso enorme e ameaçador da paz universal, detentores que são de forças militares capazes do morticínio apocalíptico.

Foi dureza assistir ao espetáculo deprimente: de um lado, Joe Biden, mais que um democrata americano, o símbolo de um país, goste-se ou não, erguido sob os sólidos alicerces do governo da Lei (o constitucionalismo) que construiu uma democracia representativa, forjada no equilíbrio federativo com base no longo debate imortalizado nas ideias contidas no Federalist Papers (1787-1788): do outro lado, o Republicano Donald Trump, intérprete de uma vertente tóxica e crescente no mundo que é o obscurantismo caricatural de uma linguagem corporal de soberba, arrogância e, sobretudo, da mentira grandiloquente.

Biden com as boas ideias que configuram a democracia, afetado por evidentes sinais de senilidade, fragilizou a imagem do debatedor e dos positivos resultados da gestão democrata. Trump, por sua vez, sem um adversário que, com firmeza, demonstrasse aos eleitores e à plateia global que estava diante de um delinquente político, condenado, também, por crimes comuns abrigados no código penal de qualquer país decente e, de quebra, amigo dos tiranos que movimentam a máquina mortífera da guerra. Acrescente-se: um farsante patológico.

O desafio que se impõe aos democratas é adotar a menos traumática decisão entre manter ou substituir o candidato. O que ocorre nos EUA tem repercussão mundial.

Na Europa, a esquerda e o centro surpreenderam a ultradireita francesa e apontam para um complexo e imprevisível governo de coabitação; na Itália, Meloni se orienta por uma bússola pragmática; na Inglaterra tudo indica que o trabalhismo vai trilhar os caminhos de uma saudável terceira via. O centro político está vivo.

No caso americano, Trump afronta instituições com um cinismo incurável. E representa risco permanente para o equilíbrio geopolítico. Tudo indica que a permanência de Biden acena para uma provável derrota. As imagens e a percepção dos eleitores são definitivas: o fardo é grande.

Resta, pois, a dificílima alternativa: convencer Biden a transformar a sua decisão no belo, convincente (e pragmático) gesto em favor dos valores democráticos.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

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