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O começo de uma nova história (por Roberto Brant)

A única coisa certa é que o Brasil não tem nada a ganhar e tem tudo a perder com estes novos tempos

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1 de 1 Arte colorida mostrando Donald Trump - Metrópoles - Foto: Arte/Metrópoles

Quando o muro de Berlim foi demolido praticamente à mão por multidões desarmadas, sem qualquer reação dos poderosos exércitos do Pacto de Varsóvia, em novembro de 1989, disseminou-se a crença de que a democracia liberal havia triunfado para sempre. Pouco tempo depois o cientista político Francis Fukuyama publicou um ensaio anunciando o fim da história, querendo naturalmente dizer que estavam encerrados os grandes conflitos políticos e que doravante a história fluiria sem perturbações ou sobressaltos.

Com a dissolução da União Soviética e a emancipação dos países da Europa Oriental, afirmou-se a superioridade da economia de mercado, das instituições da democracia, da globalização e das entidades multilaterais criadas no pós-guerra para monitorar a economia mundial. No entanto, o que estava de fato ocorrendo era apenas o fim de uma história específica que, na verdade, não durara mais do que algumas poucas décadas. Um novo período histórico estava realmente começando, mas como acontece com todos os processos humanos, este estava também condenado à trajetória dos ciclos históricos, haveria de nascer, evoluir e finalmente desparecer, para dar lugar a uma nova ordem.

Nos pouco mais de 30 anos transcorridos desde então, o mundo mudou muito, quase sempre para melhor. A globalização permitiu que a industrialização e o progresso econômico se espalhassem por grandes extensões do mundo, retirando centenas de milhões de pessoas da pobreza e causando uma redução generalizada dos preços dos bens industriais, graças aos aumentos da produtividade e ao comércio internacional.

Mesmo quem não alimenta o pessimismo de que tudo na vida é um jogo de soma zero, em que o ganho de alguns é necessariamente a perda de outros, precisa reconhecer que a globalização trouxe ganhos e perdas assimétricas, entre países e entre pessoas. Na Europa, mas principalmente nos Estados Unidos, a descentralização da produção industrial para países com oferta ilimitada de trabalho e baixos salários, significou o desaparecimento das indústrias tradicionais e o fim dos bons empregos para uma classe trabalhadora acostumada à vida de classe média. A especialização dos países ricos em alta tecnologia e serviços financeiros, criou uma elite urbana limitada e aprofundou a diferença entre ricos e pobres.

No plano da política, os partidos do campo progressista abandonaram o seu tradicional discurso de luta de classes e mudaram o foco para as políticas identitárias, com ênfase em raça, gênero e orientação sexual, deixando de lado as pautas de interesse da população trabalhadora, conservadora nos costumes, nostálgica do passado e excluída das oportunidades da nova economia. A consequência foi a migração destas grandes massas de perdedores para os partidos da chamada direita onde, ao encontrar as populações rurais tradicionais destes partidos, conseguiram formar uma nova maioria, cujo projeto é opor-se à ordem globalizante, que parece ter sequestrado o seu futuro.

Essas novas maiorias estão começando a se impor na Europa e agora conquistaram o poder os Estados Unidos. A vitória de Trump foi democrática em todos os sentidos e terá as consequências já prometidas na campanha: protecionismo radical, hostilidade aos outros países e aos estrangeiros, desligamento dos Estados Unidos de tudo o que significa uma ordem multilateral, seja no que respeita ao comercio, mas também às políticas climáticas e à defesa coletiva na Europa, bem como o uso do poder americano na tentativa de restaurar um modo de vida e uma hegemonia que se perderam nos últimos tempos. Tudo isto vai reconfigurar a ordem mundial em uma extensão que ainda é difícil prefigurar em todos os detalhes.

A vitória de Trump não é o fim do mundo, nem um novo fim da história. É simplesmente o começo de uma nova ordem que, por imprevidência, nunca imaginamos.  Como tudo na vida, vai nascer, evoluir e depois ser substituída, embora não saibamos quando.

A única coisa certa é que o Brasil não tem nada a ganhar e tem tudo a perder com estes novos tempos.

 

Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso

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