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O Brasil tem fome (por Mary Zaidan)

À aversão de Bolsonaro aos pobres e famintos soma-se a apatia dos demais candidatos

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A pandemia da covid-19 aumento dos índices de pobreza em todo o DF
1 de 1 A pandemia da covid-19 aumento dos índices de pobreza em todo o DF - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Fome. O tema é indigesto para iniciar o ano, mas obrigatório em um país onde mais da metade da população – 116,8 milhões – não come todos os dias e 9% – 19 milhões – têm carência alimentar grave. Avesso a pobres, o governo Jair Bolsonaro era sabidamente incapaz de fazer frente a essa penúria, que, pelo menos até aqui, também não frequenta a agenda dos demais presidenciáveis. No máximo, usam o estômago oco de milhões para rechear de indignação seus discursos, sem expor estratégias para livrar da indigência esse enorme contingente de brasileiros.

Bolsonaro, que neste ano – e só neste ano – vai pagar R$ 400 do Auxílio Brasil aos inscritos no Bolsa Família que ele implodiu, só vê os miseráveis como eleitores em potencial.

No primeiro ano da pandemia, os efeitos do auxílio emergencial de R$ 600 mantiveram seus índices de popularidade, segurando a onda nos 9 meses que durou. No fim de 2020, o suporte acabou enquanto a pandemia, que não termina por decreto, recrudescia. Resultado: mais pobres, que passaram a receber meio-auxílio, R$ 300, mesmo assim só três meses depois de ficarem à míngua.

Como desgraça é cumulativa, a inflação crescente estimulada pelo desgoverno Bolsonaro tratou de comer o pouco que ainda restava. Um desastre sem precedentes.

Mesmo Lula limita-se a falar do combate à fome no passado. Criador do Bolsa Família, que reuniu em um só programa iniciativas experimentadas pelo antecessor Fernando Henrique Cardoso, em especial o Comunidade Solidária, de Ruth Cardoso, e o Bolsa Escola, implantado pelo então governador do Distrito Federal, o ex-petista Cristovam Buarque, e pelo já falecido prefeito tucano de Campinas, José Roberto Magalhães Teixeira, Lula teria absoluta autoridade para abraçar o tema. Mas não o faz.

O Bolsa Família sucedeu ao retumbante fracasso do Fome Zero, ideia de Duda Mendonça para a campanha petista de 2001. No ano seguinte, o primeiro de Lula, a iniciativa marqueteira naufragou. À época, Maurício Andrade, coordenador do Ação da Cidadania – ONG criada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que teria inspirado o programa – foi definitivo ao dizer que era “um nome de fantasia”.

Mesmo tendo recebido milhares de doações, entre elas o icônico cheque de Gisele Bünchen, que jamais chegou à contabilidade do programa, o Fome Zero nunca foi além da propaganda com a miséria alheia, algo que muitos candidatos não têm qualquer pudor em fazer.

Dilma Rousseff agregou ingredientes nesse tipo de tática eleitoral. Apoiada na combinação do Bolsa Família com o estímulo desenfreado ao consumo iniciado por Lula em tempos de commodities em alta, ela decretou o fim da miséria no Brasil. Sua caneta também inflou a classe média, incluindo nessa categoria todos os cidadãos com ganhos acima de R$ 291. Os anos seguintes desmontaram a ficção.

Mesmo sem conseguir soluções mais duradouras, aos pobres restava o Bolsa Família, um programa já consolidado, com contrapartidas importantes como frequência escolar e, para horror dos bolsonaristas, caderneta de vacinação das crianças. Registram-se ainda iniciativas estaduais e municipais de assistência e custeio que poderiam integrar uma política pública perene de contenção da miséria se houvesse interesse real em buscar soluções.

Sancionado por Bolsonaro na quinta-feira, 30, o novo auxílio ainda é uma incógnita. Está garantido para o ano eleitoral, mas não tem fonte de financiamento para 2023. E, ao contrário da promessa feita de zerar a fila dos inscritos para fazer passar a PEC do calote, na qual foram adiados pagamentos de precatórios, o auxílio só chegará aos 14,7 milhões já cadastrados no extinto Bolsa Família, e não aos 17 milhões de miseráveis elegíveis.

Ao descaso explícito de Bolsonaro soma-se a apatia dos demais candidatos. Também eles parecem estar mais interessados nos conchavos e alianças que possam bem acomodar os mesmos de sempre e, de quebra, reforçar o caixa de campanha e o tempo de rádio e TV, do que em apresentar algum tipo de saída para a miséria galopante.

Para 2022 fica a expectativa de que a fome entre no cardápio dos que disputam votos – que chuchu seja mais do que composição de chapa eleitoral e, mais importante, que seja o ano derradeiro do amargo e intragável Bolsonaro.

Mary Zaidan é jornalista 

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