O Brasil precisa converter ricos em elite para ajudar os mais pobres (Cila Schulman)
Na pesquisa EXAME/IDEIA, 65% esperam soluções da iniciativa privada na pandemia. A elite já aderiu à filantropia. Mas e os ricos, por onde a
atualizado
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A frase foi dita por Preto Zezé, presidente da CUFA – Central Única das Favelas – em uma live para a Febraban – Federação Brasileira de Bancos: “existe a elite e existem os ricos. A elite faz filantropia, os ricos não”.
Depois, Edu Lyra, da ONG Gerando Falcões, desenvolveu o tema num artigo: “a elite não acumula aquilo que recebe. Ela processa, aprimora e redistribui. Isso vale para qualquer coisa: conhecimento, tecnologia, networking, capital político, doações, dinheiro. A elite entende que riqueza que não circula é riqueza morta, estéril, o que vai contra seus próprios interesses. Precisamos urgentemente converter mais ricos em elite”.
A CUFA, a Gerando Falcões e a Frente Nacional Antiracista, com apoio da UniãoSP, lançaram, no início de abril, o movimento “Panela Cheia Salva”. Em pouco mais de um mês, arrecadaram quase R$ 50 milhões. O objetivo é ousado, distribuir 2 milhões de cestas básicas até o final do ano. Se estivermos falando de uma cesta de R$60, ainda há muito trabalho a ser feito com os ricos, já que a elite desde o início está plenamente embarcada no movimento.
O Panela Cheia conta, por exemplo, com a dedicação de Ana Maria e Geyze Diniz, filha e mulher do mega empresário Abílio Diniz. Elas estão à frente do Instituto Península, braço filantróprico do family office dos Diniz e na liderança, com dezenas de voluntários, do UniãoSP, filial paulista do UniãoBR.
Esse movimento, União, foi criado por WhatsApp no ano passado pelas irmãs Marcella e Tatiana Monteiro de Barros, junto com Daniel Serra, Isabel Motta, Nélio Chagas – e mais uma penca de gente da elite pensante e altruísta do nosso país – e já arrecadou e distribuiu quase R$ 200 milhões em alimentos e equipamentos médicos para 24 estados do Brasil, além de ações específicas no Pantanal e em comunidades indígenas.
A mesma turma lançou este mês o Pacote do Bem, específico para o setor de saúde, que já saiu na rua com R$ 6 milhões vindos de empresas como Coca-Cola, Heineken, Hinode, Americanas, Sulamérica, Grupo Boticário, entre muitos outros.
Estas são algumas das centenas de iniciativas que surgiram desde o começo da pandemia e que fizeram mais do que dobrar o valor de doações para a filantropia no Brasil, de R$ 3,25 bilhões para R$ 6,9 bilhões até agora.
As empresas puxaram a fila destes números, a começar pelos R$ 1,25 bilhão do Itaú, seguido pelos R$ 500 milhões da Vale e pelos R$ 400 milhões da JBS. Mas é raro hoje você ver uma fundação familiar ou pessoas físicas da elite que, de uma forma ou de outra, não estejam envolvidas em contribuir para amainar as crises sanitária e econômica que enfrentamos e que o governo não consegue resolver.
Em pesquisa da EXAME/IDEIA, o tema da participação da iniciativa privada na solução das crises atuais no Brasil recebeu 65% de adesão da opinião pública. Quando indagados sobre temas específicos, 40% responderam que as doações da iniciativa privada deveriam ir para hospitais e equipamentos médicos. Além disso, 36% acreditam que as empresas deveriam comprar vacinas (a maioria para distribuir para funcionários e familiares e parte para doar aos SUS). Também é relevante mencionar que 21% acreditam que os que têm mais deveriam doar alimentos e itens de primeira necessidade pra quem tem menos.
Os desafios da fome, da pobreza, da saúde e da educação pública, infelizmente, estão longe de ser equacinados em um Brasil que ainda vai demorar para vacinar toda a sua população e enfrentar seus problemas crônicos. Assim é que o trabalho para diminuir as desigualdades nunca dependeu tanto de mim, de você, da classe média, da elite e dos ricos.
Estes últimos, nas palavras de Lyra, são os que mais precisam se engajar. Como diz ele, “para ser rico, basta ter muito dinheiro. Brinco com a ideia de que há pessoas tão pobres que tudo o que têm é dinheiro. O rico é alguém que vive apartado da realidade.” E continua: “O rico é uma pessoa blindada. Desconhece o seu próprio país e não se interessa em melhorá-lo.”
O buraco em que estamos coletivamente metidos pode ser uma oportunidade para essa gente rica sair pra procurar a luz e mudar a sua visão de país. Com isso, pode aproveitar pra ajudar a mudar a nossa triste realidade.
Cila Schulman é jornalista, com especialização em gerenciamento de campanha eleitoral pela George Washington University, vice-presidente