O Brasil mostra a sua cara (por Gustavo Krause)
Mais cedo do que se imagina, vai se tornando vital uma nova reforma previdenciária
atualizado
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Conheci o Brasil definido por muitas caras da linguagem figurada. Reconhecia e acreditava. Por exemplo, o “País do Futuro”, título do livro e expressão de um profundo sentimento afetivo que o grande historiador judeu Stefan Zweig dedicou ao Brasil.
Em Petrópolis, fugido dos horrores nazistas, aportou na acolhedora nação tropical, onde aparentemente encontrara a paz. Aparentemente, porque a introjeção dos demônios emocionais levou Zweig ao trágico pacto suicida com a esposa.
Sua obra caiu no ufanismo do berço esplêndido da “pátria amada”. Eu acreditei. E acredito no afeto, na força nativista que são maiores do que as desilusões.
Ora, sou contemporâneo do enfermiço Jeca Tatu, o caipira desheroi, cria de Monteiro Lobato, hoje, condenado pela inquisição do políticamente correto. Vi antecipadamente a cara do Brasil dos excluídos. Uma sina ou uma tendência?
Quase ao mesmo tempo, escutamos a voz de Euclides da Cunha bradar que outro “Jeca” era “antes de tudo um forte”, o sertanejo, massacrado em Canudos, tangido pela sede e pela fome, sobrevivente da terra rachada pelo sol, virava retirante no “último pau-de-arara”.
Nem sina, nem tendência. Me vem à memória a cara do País Rural, uma extensa fazenda monoexportadora de café, abrigando 63,8% dos 51,9 milhões de habitantes (censo de 1950) e, ao mesmo tempo, uma dinâmica demográfica, econômica e político-cultural.
Na década de 60, o País Jovem ofereceu a chance do bônus demográfico e as transformações econômicas substituíram o País Rural pelo País Urbano, fortemente prejudicadas por duas décadas de instabilidade política, crise do endividamento externo e a hiperinflação.
Pois bem, enquanto isso, o País que também é do futebol (com ressalvas), do samba, do carnaval, da bossa-nova resistiu ao imponderável (a pandemia), ao modo reacionário, corrompido de fazer política e à polarização com reais ameaças à democracia.
Por motivos estranhos, para dizer o mínimo, atrasou o censo demográfico, excepcional mecanismo de auto-conhecimento e que instrumentaliza o senso de realidade de modo a ajustar as políticas públicas e o impulso empreendedor à realidade.
Com os números disponíveis, é possível atentar para dados que darão suporte às decisões necessárias e estratégicas.
A mais evidente e preocupante é a provável antecipação do fim do bônus demográfico previsto para o final da década de 2030 e que deve ocorrer na atual o que afeta diretamente a produtividade econômica e seriamente o sistema previdenciário.
Mais cedo do que se imagina, vai se tornando vital uma nova reforma previdenciária. Esta possibilidade reflete o horror político ao reformismo essencial para a existência de uma sociedade sustentável. A experiência das nações contemporâneas demonstram que os países enriquecem antes de envelhecer. País pobre e velho é um imerecido castigo para nossos filhos e netos.
Nesta mesma toada, é preciso compreender que os fatores estruturais que que permeiam a demografia são praticamente irremovíveis a exemplo da redução da taxa de fecundidade. Trata-se de uma decisão parental que define o planejamento familiar.
A ser confirmada pelos números, a migração dos habitantes das cidades de maior população pode ser devida a um ou a combinação de dois fatores: o esgotamento do espaço aglomerado e/ou a busca de melhor qualidade de vida, comprometida pela gestão pública que não oferece serviços adequados à população.
Importante ressaltar que a humanidade está em plena Revolução Indusrial 4.0 e, aceleradamente, desenvolvendo inovações no campo da IA visando ao aumento da produtividade de processos. Nós estamos há, mais de quatro décadas, no faz-de-conta que vamos reformar o sistema tributário nacional.
Desavergonhadamente, prevalece o cínico jargão: “sou favorável à reforma tributária (consenso no mundo abstrato), mas não a essa reforma (dissenso no mundo concreto dos interesses, no mìnimo, inconfessáveis)”.
Já que comecei o artigo falando sobre as caras do Brasil e o que este rosto reflete, não duvido que desejamos a Cara de um País Responsável.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda