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Um conselho prático que sempre é dado aos novos prefeitos, governadores e presidentes diz que é melhor ajustar o cronograma de gastos com o calendário eleitoral, fazendo ajustes na primeira metade do mandato para poder soltar a rédea nos dois últimos anos, criando uma atmosfera positiva necessária para vencer a reeleição ou fazer o sucessor.
Lula, no entanto, claramente ignora esse pedaço de sabedoria “popular”, acelerando gastos mesmo antes de assumir pela terceira vez o Planalto. Com o Congresso aprovando a “PEC da Transição” ainda em dezembro, o novo (velho) presidente já subiu a rampa com um cheque assinado.
Em 2023, o governo gastou R$ 264 bilhões a mais do que arrecadou. Para equilibrar o ano seguinte, seria necessário, desde que as despesas se mantivessem no mesmo (alto) patamar, aumentar a receita em termos nominais em mais de 10%, uma grandeza colossal, que países só alcançam em situações extraordinárias, como em um esforço de guerra.
Com medidas de aumento de arrecadação, a receita chegou lá, crescendo por volta de 9%. O resultado, no entanto, continua no negativo, com um saldo negativo apurado nos últimos doze meses de R$ 272,2 bilhões de buraco.
Para um leigo, os dados podem levar à conclusão de que Lula comeu o “lanche antes da hora do recreio” e que os dois anos finais do seu mandato serão marcados pelo ajuste que ele se recusou a fazer no início da sua terceira presidência, com resultados políticos ruins no horizonte.
Mas este Lula não é dado a reconhecer limites e mostra disposição para continuar acelerando mesmo com evidências de que a gasolina do seu carrinho está acabando. O projeto de orçamento de 2025 e novas estratégias para arrumar recursos para programas como o PAC mostram que ninguém segura o petista.
Na peça enviada ao Congresso no fim da semana passada, o governo prevê aumento extra de arrecadação de R$ 166 bilhões; além disso, para driblar a regra fiscal e aumentar os proventos de beneficiários de programas sociais, criou-se um programa social – Gás para Todos – com um crescimento de 267% de recursos reservados em relação ao atual Vale Gás. Detalhe, o benefício é pago em dinheiro; finalmente, o governo está atrás de dinheiro das emendas parlamentares e de recursos de fundos de pensão para colocar no PAC sob o risco de não inaugurar muita coisa até 2026.
Diante de forças controversas, limite e dívida de um lado e voluntarismo político e criatividade fiscal de outro, o que vai vencer lá na frente? O quanto o motor do país aguenta?
Este cenário, que não é de jeito nenhum novo, se parece com o da reeleição de 2014, no qual o governo liderado por Dilma Rousseff esticou até onde conseguiu a capacidade estatal de despejar dinheiro na economia para, depois, em 2015, propor um ajuste draconiano que ajudou a criar condições para sua queda no ano seguinte.
Há duas diferenças em relação a 2014. A primeira é que Lula não é Dilma. A segunda é que não há uma crise de commodities como houve no final do ciclo da ex-presidente. Também não há uma Lava-Jato ceifando políticos enrolados. São condições suficientes para que a mesma receita que fracassou naquela oportunidade dê certo dessa vez?
Leonardo Barreto é doutor em Ciência Política pela UnB e consultor político independente