O Brasil esquenta os seus tambores (por Ricardo Guedes)
O roteiro é o seguinte: até novembro, o brasileiro vive a realidade. No início de dezembro, começa a transformação social
atualizado
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Nesta semana passada viajei de Belo Horizonte para São Paulo, Rio e Brasília. Primeira semana de dezembro, e o brasileiro se aflora naquilo que vem a se constituir no grande devaneio de dezembro ao Carnaval, onde tudo se revira na inversão da ordem, no regozijo, na esperança do momento e da insensatez. São os meses de Baco, do Natal, do Ano Novo, das férias e do Carnaval, que termina na Marquês do Sapucaí, que termina mais ainda na Praça da Apoteose, na insana apoteose de hoje e do amanhã.
No sexto dia, Deus criou o homem. E no sétimo dia, Deus descansou, ao sol. Se não, o sétimo dia seria também de folia.
Nos aeroportos, vi o povo todo feliz. Passagens de R$ 3.000,00 à R$ 3.800,00, todo mundo feliz. Não importa! Somos o País do Carnaval, e para ele marchamos, dignos do amanhã.
Todos se entreolham, na mais digna magia da transformação, de uma cultura, que, do sofrimento e da dor, vai ao êxtase da alegria. “O Brasil é uma terra de amores, alcatifada de flores, onde a brisa fala amores, em lindas tardes de abril”, como na música de Carlinhos Lyra. Ou, na música de Chico Buarque, um dos maiores intérpretes de nosso país, “Não existe pecado do lado de baixo do Equador”.
O roteiro é o seguinte: até novembro, o brasileiro vive a realidade. No início de dezembro, começa a transformação social. Vem o Natal, vem o Reveillon. Todos se vestem de branco, na busca da pureza que não somos. Férias e gastos, com a família e os amigos. E, finalmente, o Carnaval. Saí quatro vezes no Império Serrano, na Antonio Carlos, na Presidente Vargas, e na Marquês do Sapucaí, em toda a extensão. Conheço o primeiro sussurrar dos bongôs, e a primeira marcha no movimento, e o entrar na Avenida que belamente nos cega no esplendor de suas luzes. Que honra e alegria! Sem isto, como iríamos sobreviver?
Como diz Roberto DaMatta, em “O que faz do brasil, Brasil”, o primeiro, com b minúsculo, de nossa economia e bem estar social, e o segundo, com B maiúsculo, de nossa euforia cultural, na Feijoada, no Futebol e do Carnaval, o Carnaval é um ritual de inversão social, onde o rico se reverencia aos nobres da Marquês do Sapucaí; a casa se estende para a rua; e a rua invade a todas as casas. Momento único em nosso país, onde tudo fica igual.
Como disse Jor-El, de Krypton, a seu filho Kal-El, Clark Kent na Terra, o Superman, “os humanos são um grande povo que pode fazer o bem, mas que precisam de luz para mostrar o caminho”.
É uma pena que não tenhamos uma elite, e que o crime organizado tenha tomado conta de parte do país.
E março vem aí de novo. Fim da folia; e temos que voltar. Mas fiquem tranquilos. O novo dezembro também virá, no final dos agostos do ano que vem.
Ricardo Guedes é Ph.D. em Ciências Políticas pela Universidade de Chicago e Autor