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O Brasil ainda está no esgoto (por Mary Zaidan) 

O acesso ao saneamento básico evoluiu, mas para universalizá-lo é preciso sanear a política

atualizado

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1 de 1 esgoto - Foto: PCDF/Divulgação

É aviltante que o Brasil, nona economia do mundo, tenha 37,5% de sua população sem esgotamento sanitário adequado. São 49 milhões de brasileiros condenados ao subdesenvolvimento e suas consequências na saúde e expectativa de vida. Não faltam recursos, mas eles se perdem na ausência de políticas públicas mais abrangentes, desinteresse político e nos ralos da corrupção.

Os dados do Censo 2022 divulgados sexta-feira pelo IBGE são acachapantes em todos os sentidos. Elogia-se a evolução da cobertura das ligações de esgoto de 44,4% em 2000 para 52,8% em 2010 e 62,5% agora. Ainda assim, os números ficam a anos-luz do compromisso firmado pelo Marco Legal do Saneamento de chegar a 90% de esgoto coletado e tratado até 2033, meta que, mantido esse ritmo, só será alcançada – e com sorte – em 2055.

Escancaram também o tamanho da desigualdade regional. O Sudeste tem 90,7% de cobertura de esgoto (rede coletora ou fossa), o Sul, 83,9%, e o Centro-Oeste, 73,4%. O Nordeste, acreditem, comemora ter ultrapassado a metade dos domicílios com esgotamento, 58,1%. Já o Norte continua na pré-civilização, com esgotamento de 46,4%, sendo menos da metade, 22,8%, conectados a uma rede coletora.

A rede de esgoto não chega, mas a Funasa continua aí. Ex-paraíso do PMDB, PP e PTB, a Fundação deveria ter sido extinta por Lula, que recuou diante dos olhos gordos do Centrão capitaneado pelo presidente da Câmara Arthur Lira. Por lá, em 2011, no governo Dilma Rousseff, a Controladoria Geral da União (CGU) apontou desvios de R$ 500 milhões em obras de saneamento, dinheiro não mais visto.

Rondônia, Pará e Piauí têm menos de 30% de domicílios ligados a uma rede de esgoto. Pudera: no governo do ex Jair Bolsonaro, a corrupção levou R$ 4,7 milhões dos R$ 10 milhões contratados pela Funasa para saneamento no Piauí. No Amapá, a cobertura de esgotamento só chega a 11% dos domicílios. Em 2013, o estado foi foco da Operação Citrus, da Polícia Federal, que rastreou desvios de R$ 45 milhões em convênios da Funasa com as prefeituras de Oiapoque e Laranjal do Jarí. O superintendente José Roberto Galvão chegou a ser preso.

À corrupção que perpassa diferentes governos e partidos, somam-se o pouco caso de governantes e parlamentares. De acordo com o Portal da Transparência, em seu último ano de governo, Bolsonaro previu gastar R$ 767 milhões em saneamento, mas só empenhou R$ 291 milhões. Em 2023, o investimento do governo Lula foi ainda menor: dos R$ 760 milhões previstos, só foram aplicados R$ 149 milhões. O orçamento deste ano indica um salto significativo: R$ 2,94 bilhões – a conferir o tamanho da execução.

Em ano de eleições municipais, os olhos dos parlamentares, que já não enxergam os coletores de esgoto enterrados, se voltam quase exclusivamente para a água de entrega rápida, embora de prioridade duvidosa. Os números do Censo 2022 indicam que 95,1% dos brasileiros – 192,3 milhões de pessoas – têm água encanada, outros 4,8 milhões dependem de baldes e bacias – a maioria no Nordeste e Norte. Caixas d’água, cisternas, caminhões-pipa e dinheiro para furar poços artesianos estão entre as preferências dos políticos dessas regiões.

No período Bolsonaro, a água parcelada era entregue via orçamento secreto através do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) e a Companhia dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), ambas responsáveis pela segurança hídrica. Em 2022, a CGU achou desvios em contratos de fornecimento de carros-pipa superiores a R$ 10 milhões.

Na era Lula, a remessa dos parlamentares para os prefeitos se dá por meio de emendas Pix. Além de praticamente irrastreável, o método tira recursos que poderiam ser aplicados em planos sanitários mais consistentes em vez de pulverizá-los, sem qualquer planejamento, em cidades dos autores das emendas.

O acesso ao saneamento básico no Brasil melhorou, mas continua vergonhoso. Faltam projetos estruturados e, fundamentalmente, mecanismos de controle para impedir que o dinheiro das ligações de esgoto seja canalizado para o bolso de corruptos.

A conclusão é um tanto óbvia e não vale apenas para esgotos: sem sanear a política, parte significativa dos brasileiros vai continuar entrando pelo cano.

Mary Zaidan é jornalista 

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