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Nova síntese política (por Antônio Carlos de Medeiros)

Está em curso no Brasil a formação (histórica) de nova síntese na direção de uma cosmovisão liberal

atualizado

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Urna eletrônica – voto
1 de 1 Urna eletrônica – voto - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Há mais coisas no céu do que aviões de carreira. Há movimentação de placas tectônicas na política brasileira. Isto nos leva a uma proposição contraintuitiva. Temos nova síntese política em processo de formação.

Está em curso no Brasil a formação (histórica) de nova síntese na direção de uma cosmovisão liberal. Trata-se de movimentação e metamorfose na sociedade que prenuncia o avanço do liberalismo social. É um processo de sociedade. E não um “acordo pelo alto”, na velha tradição patrimonialista brasileira.

Vamos prestar atenção no fenômeno Pablo Marçal. Seu combate ao status quo é o sintoma mais recente das dores e sentimentos da sociedade brasileira. Sendo ou não abatido no ar pela Justiça Eleitoral brasileira, ele já produziu um fenômeno que não vai parar de constituir-se como fenômeno político. Parece irrefreável pela via do veto jurídico. Tem que ser enfrentado nas urnas.

(Parênteses. Kamala Harris, nos EUA, pode tornar-se, lá, um novo fenômeno a impulsionar o caminho do meio. Mudanças pendulares, mas estruturais. A conferir.)

Onde estão os sinais da formação de uma nova síntese? No avanço concomitante, na sociedade, do bolsonarismo e do lulismo. Ao mesmo tempo, o avanço do cansaço com a polarização produzida como estratégia eleitoral para chegar ao poder gera contradições que impulsionam o “caminho do meu”: o liberalismo social no contexto de uma social democracia.

Liberalismo econômico, político e social.  A dialética da contradição produzindo nova síntese. O barômetro que advirá das eleições municipais em curso provavelmente nos indicará esta resultante (no sentido da Física) em curso. Não é agora nem amanhã. É um processo.

Roberto Schwarz dizia que as ideias do liberalismo europeu era ideias fora do lugar no Brasil. A nossa herança escravocata e patrimonialista eram (são ainda) entraves as ideias liberais. Aqui, a retórica convivia (ainda convive) com a sua negação na prática. A sociedade da “meia entrada” de Marcos Lisboa. Ou a sociedade de liberais até a segunda página – tanto à direita quanto à esquerda do espectro político.

Este contexto pode estar diante de um ponto de inflexão. Neste momento histórico, a cosmovisão em formação percebe o Estado como provedor, ao lado do mercado, da liberdade. Estado & Mercado. Para além do liberalismo econômico, a ascensão do liberalismo social: direitos civis, políticos e sociais, coexistindo em uma democracia representativa.

A nova síntese em formação é causa e conseqüência desta visão ascendente. Com as devidas “dores do parto”. O fenômeno Pablo Marçal faz parte das “dores do parto”. A ambigüidade do Presidente Lula diante de novos desafios geopolíticos nacionais e internacionais, também.

Em seu estudo seminal (“A História Perdida do Liberalismo-da Roma antiga ao Século XXI”) Helena Rosenblatt rastreou a transformação do liberalismo.

Desde Cícero (106-43 AC). A ênfase, já na pré-história, do cidadão na Roma antiga – “livre, generoso, com projeto ético voltado ao bem comum e ao respeito à conexão mútua” – a cidadania com ação coletiva, para além do indivíduo.

Ela narra a História do liberalismo. A França inventou o liberalismo, originário da Revolução Francesa. A Alemanha o reconfigurou, com o liberalismo religioso e o estímulo à ética protestante, com sua repercussão na natureza do capitalismo. A Grã Bretanha incentivou o liberalismo político.  No Século XX, os Estados Unidos reduziram o liberalismo à sua dimensão econômica.

Os liberais na França, Inglaterra e Alemanha não viam conflito em ser liberal e favorecer qualquer tipo de intervenção governamental voltada ao bem comum. O indivíduo sim. A sociedade também.

Com o iluminismo, era possível falar não apenas em indivíduos liberais, diz ela. Mas também de sentimentos, ideais e modos de pensar: um modo de vida. Ou seja, forjar um meio termo entre laissez-faire e socialismo, como em meados do Século XIX.

Na síntese final da sua longa resenha histórica, Rosenblatt enxerga que “os liberais devem se reconectar com os recursos de sua tradição liberal para recuperar, compreender e abraçar seus valores centrais: o bem comum”. Era isto que ela enxergava em pleno Século XXI.

Para José Guilherme Merquior, na resenha de Anderson Barbosa, no Brasil as exigências sociais não podem ser atendidas pelo liberalismo econômico. Aqui, “a síntese entre liberalismo e democracia é incompleta”. Daí a defesa do liberalismo social.

Proposição contraintuitiva: a nova síntese política em formação no Brasil estimula e é estimulada pela cosmovisão do liberalismo social. A conferir.

O “caminho do meio” desprovido de cosmovisão não terá força para impulsionar um novo consenso no seio da democracia representativa. A convivência entre os contrários com nova ideia força e nova visão de futuro. Com reformas políticas.

Ou, então, a continuidade do “salve-se quem puder” em que está se tornando a política nacional. A liquefação da Política.

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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