Nos tempos do cólera (por Mirian Guaraciaba)
Gosto amargo do bolsonarismo nas relações pessoais
atualizado
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Ele chamou a atenção pelo porte físico. Sessentão, bronzeado, músculos aparentemente fortes, sorriso largo, simpático, carioca por natureza e morador da Bahia. Mistura perfeita.
Puxou assunto num café, em Ipanema. Conversa fácil. Trocaram telefone e veio um primeiro convite. Um drinque por ali mesmo. Encontro leve, sem avanços, segurança necessária nos dias de hoje pra quem é cuidadoso em relação a desconhecidos e nunca acreditou em príncipes encantados.
Veio o segundo convite. Passeio no calçadão. E o terceiro, queria ver “Elvis” no cinema. Para surpresa dela, na antessala do cine Leblon, ele destampou a falar de política. Voto em Bolsonaro, declarou, recheando a resenha com elogios ao nefasto. Quase um louvor. Apego às armas. Desapego às vacinas.
A repulsa foi inexorável. Não seria possível haver ainda alguma qualidade naquele homem de estampa aparentemente agradável e mente malsã. As conversas remontadas já mostravam que não havia muita coisa boa.
Dias antes, ele acusara, pernóstico, os vizinhos de cometerem o “absurdo” de alimentar os gatos de rua. Deviam ficar sem comer … para morrer. A declaração chocou. Para pregar a eliminação de moradores de rua, faltaria pouco. “Não tenho culpa do desemprego no País”, já disse Bolsonaro. “Não sou coveiro” desdenhou dos mortos pela pandemia.
O zap do fulano foi apagado – do telefone e da memória ainda durante a sessão de Elvis. “Vou ter que assistir de novo, tal o mal estar que me causou saber que aquele sujeito vocifera a morte de animais por inanição, defende a ditadura e a cloroquina”. E faz campanha para que o País mergulhe ainda mais fundo nas trevas bolsonaristas.
Citar Bolsonaro amarga qualquer conversa. Péssimo cartão de visitas. Sua sanha de morte contamina, adoece a alma. Bolsonaro faz mal a todos. Envergonha o País.
O assunto Bolsonaro é corrosivo. Por causa dele e do ódio que dissemina, metade da população brasileira desistiu do debate político. Pesquisa Datafolha divulgada nesse domingo mostra que 49% dos entrevistados deixaram de conversar sobre política com amigos e familiares, e 54% dizem ter vivido alguma situação desagradável nos últimos meses por defender suas posições políticas.
Precaução. Vale para a paquera, pro xaveco, pra azaração. Além das ameaças do desconhecido, do risco de golpes amorosos, da sedução barata, o perigo de se encontrar bolsonaristas é real. Todo cuidado é pouco. Antes do primeiro “date”, melhor perguntar. Falta pouco. Está chegando ao fim seu primeiro mandato. Primeiro e único. Tomara.
MANIFESTO PELA DEMOCRACIA
A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros pela Democracia” alcançou ontem 700 mil signatários. Em poucos dias, a carta em resposta aos ataques golpistas de Bolsonaro, e em defesa da democracia e da liberdade, mobilizou milhares de brasileiros. Estamos atentos.
Mirian Guaraciaba é jornalista