metropoles.com

Ninguém dá bola para vereador (por Mary Zaidan) 

Sem voto distrital o eleitor não conhece os candidatos, não sabe em quem votar e não se lembra em quem votou

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Lucas Bassi/ Rede Câmara
Imagem colorida mostra plenário com parede de mármore branco ao fundo e uma grande cruz no meio - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida mostra plenário com parede de mármore branco ao fundo e uma grande cruz no meio - Metrópoles - Foto: Lucas Bassi/ Rede Câmara

O Brasil chega às eleições municipais deste domingo reincidindo no erro de sempre: ninguém dá bola para vereadores. O eleitor não sabe em quem votar e depois que vota não se lembra em quem votou. O pouco caso com essa primeira etapa, a da vereança, produz parlamentos locais pífios, comprometendo a base da democracia representativa e, consequentemente, todo o sistema político. É como desejar obter PhD sem alfabetização.

Exatos 431.999 candidatos disputam uma das 58.444 vagas para câmaras municipais nas 5.569 cidades brasileiras. Nas pequenas comunidades, onde o eleitor esbarra na rua com os candidatos a prefeito e a vereador, o parlamento local ainda consegue espelhar a população. Mas quanto maior o município, mais distante fica o representado do representante. Sem vínculo algum, o eleitor vota em um candidato qualquer.

Pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira, 48 horas antes do pleito, apontou que 54% dos eleitores de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, ainda não tinham candidato para a Câmara Municipal. No Rio, metade dos entrevistados disse não saber em quem confiar o voto e em Belo Horizonte 52%. Dias antes, o instituto já havia demonstrado que 56% dos eleitores paulistanos não lembravam da escolha feita em 2020.

Explicar o desinteresse por vereadores pela centralização das atenções nos candidatos a prefeito é simplista. Ainda que o debate em torno da disputa majoritária seja bem mais sedutor, se o sistema eleitoral fosse distrital, com postulantes de uma região específica, a proximidade eleitor-candidato aconteceria. Na verdade, os distritos seriam como pequenas cidades, com candidatos obrigados a fazer política local, dedicada aos moradores daquela região. Não à toa, boa parte das democracias maduras do mundo adota este sistema.

Por aqui, a possibilidade de distritalização da eleição é próxima de zero (é menor do que zero, mas não custa manter alguma esperança). Isso porque a distância do eleitor interessa aos que já têm mandato nas câmaras municipais, nas assembleias e no Congresso, ao qual caberia a alteração. Melhorar a representação piora o bolso dos atuais parlamentares — que com orçamentos secretos e emendas Pix se tornaram vereadores federais — e mina o poder dos caciques de indicar seus candidatos preferidos. Além de atingir feudos familiares. Jair Renan Bolsonaro, quarto rebento do ex a disputar eleições, carioca que caiu do céu para ser candidato em Camboriú (SC), está aí para provar.

Sem distrital, as câmaras municipais continuarão sendo instâncias menores, distantes do eleitor, e com baixa renovação. Mas vão cumprir direitinho o papel de reforçar a base dos políticos de sempre e das maiores agremiações.

Como ocorre há anos, o MDB lidera a disputa deste domingo com mais de 40.800 candidatos a vereador. Tem também a maior quantidade de candidatos a prefeito: 1.926. Em segundo lugar no ranking está o PP, com 36.952 candidatos a vereador, mas perde para o PSD em número de postulantes à prefeitura. O PP tem 1.501 candidatos a prefeito e o PSD 1.751.

O PT do presidente Lula tem 1.412 candidatos a prefeito e 27.385 à vereança, e o PL do ex Bolsonaro 1.499 postulantes majoritários e 33.028 candidatos às câmaras municipais. Mas ambos estão comendo picadinho nas grandes cidades, com dificuldades em seus próprios colégios eleitorais, São Paulo e Rio de Janeiro, ainda que Lula tenha mais chances com Guilherme Boulos (Psol) do que Bolsonaro com Alexandre Ramagem (PL).

Sobre vereadores pouco se fala. Os candidatos a prefeito nem se dão ao trabalho de explicar a importância de escolher bem o representante para a Câmara Municipal. No máximo, os candidatos a vereador falam uma frase de efeito, o nome e o número do postulante a prefeito do partido que está bancando a conta, em takes de segundos no horário eleitoral obrigatório de rádio e televisão. Tudo muito parecido com o que se via na propaganda dos tempos da ditadura militar.

Com candidatos a rodo e sem distritalização, é impossível abrir espaço na mídia para que o eleitor conheça as centenas de concorrentes. Os jornais até tentam. Publicam listagens e, nos sites noticiosos, pequenos perfis de candidatos acessados via links ou QRcode.

O fato é que nosso sistema proporcional impede a aproximação entre o representante e representado, condenando o eleitor a votar no escuro. Passa da hora de tirar a venda.

E fica a dica: guarde a cola do número do vereador para não se esquecer dele daqui a alguns meses. Um bom voto a todos.

 

Mary Zaidan é jornalista 

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?