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Negacionismo de resultados (por Mary Zaidan)

Irmãs siamesas, negação e mentira são ferramentas usadas conscientemente pelo governo Bolsonaro 

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Cortejo fúnebre organizado pelo Conselho de Saúde do DF em protesto pelas mais de 300 mil mortes por Covid-19 no Brasil
1 de 1 Cortejo fúnebre organizado pelo Conselho de Saúde do DF em protesto pelas mais de 300 mil mortes por Covid-19 no Brasil - Foto: Arthur Menescal/Especial Metrópoles

Negação não é ideologia. Pode ser “coisa de internet”, versão aloprada que o ex-ministro Eduardo Pazuello deu à CPI da Pandemia para as bravatas do presidente, tidas como farsa até pelo depoente. Poderia ser fé, crença. Nada disso. O negacionismo de Bolsonaro é puro oportunismo, sustentado pela mentira compulsiva e má-fé. Um tripé perverso que, por interesse de inescrupulosos e ignorância de muitos, faz o país acelerar velozmente para trás.

Agir ao avesso dos ditames da ciência, da lógica e do bom-senso é prática aplicada por Bolsonaro em todas as frentes, não só na pandemia, a mais visível delas. A negação tem propósito e consequências medidas. É o instrumento escolhido para “destruir muita coisa”, meta assumida publicamente em março de 2019, em um jantar em Washington, nos áureos tempos de Donald Trump. Portanto, vai muito além do desprezo à máscara, da provocação de aglomerações ou da defesa de drogas comprovadamente ineficazes e até da automedicação, como fez na live da última quinta-feira.

Irmãs siamesas, negação e mentira são ferramentas usadas conscientemente pelo governo Bolsonaro.

No trato com a Covid-19, a CPI vem demonstrando que a ideia parecia ser mesmo a de multiplicar velozmente o contágio viral, mesmo às custas de milhares de vidas, para preservar a economia, cujo desempenho é essencial para a reeleição. A loucura da tal imunidade de rebanho que não funciona nem em vacas.

Nega-se tudo. Se o satélite captou desmatamento alarmante na Amazônia, o “erro” é da tecnologia, das nuvens, da Nasa, do renomado físico Ricardo Galvão, que, por essa conta, acabou demitido da presidência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nas hostes do ministro boiadeiro Ricardo Salles, quase tudo já foi destruído. Desmantelaram-se o ICMBio e o Ibama, colheram-se recordes de queimadas e árvores abatidas.

Parte dos motivos de tanta agressão ambiental por quem deveria preservar o ambiente começa a brotar na Operação Akuanduba, da Polícia Federal, na qual floresce o escancarado benefício a madeireiros. Salles, que deve ser investigado também nos Estados Unidos, onde três lotes de madeira ilegal foram apreendidos, foi elogiado por Bolsonaro logo depois do estouro da operação. “Excelente ministro.”

Aqui, o negacionismo também não é à toa. O presidente conta com Salles para liberar mineração em áreas indígenas e com isso turbinar a economia, mesmo de maneira indecente. Quer ainda ampliar estradas e hidrelétricas em áreas de preservação. E tornar real o sonho vingativo de criar uma “Cancún” em Angra dos Reis. Vale lembrar que, depois que virou presidente, Bolsonaro demitiu o fiscal que o multou por pescar nas águas proibidas de Angra.

A escalada negacionista se repete na Educação, cujo projeto prioritário é o ensino domiciliar, método que isola crianças e jovens do convívio social e do aprendizado formal, para satisfazer as crenças dos pais – e, claro, a cobiça desenfreada da base evangélica. Há um esforço maquinado para aniquilar as universidades, o conhecimento e tudo mais que possa colocar em risco o projeto de continuidade de Bolsonaro, seu clã e seus asseclas. Decidiu-se ainda pela suspensão da avaliação do Ensino Básico (Saeb), quebrando a série histórica de aferição do aprendizado. Afinal, para quem já escolheu andar para trás, fazer avaliações que têm como objetivo buscar melhorias não tem qualquer serventia.

O corte de verbas para realizar o Censo, adiado de 2020 para 2021 e agora para 2022, vai no mesmo diapasão. Para que impactar negativamente a campanha de 2022 com dados sabidamente danosos sobre a sociedade brasileira, mais empobrecida e em piores condições de vida? Melhor adiar as entrevistas de campo e a divulgação do quadro calamitoso para depois das eleições. De novo, a opção é negar, desta vez, de antemão.

A corrente pró-negacionismo é tamanha que, no momento de declínio do dinheiro de papel – cresce vertiginosamente o uso do PIX –, a Casa da Moeda foi instada para produzir 450 milhões de cédulas de R$ 200, ao custo de R$ 146 milhões. Apenas 13% delas foram colocadas em circulação.

Para se manter no poder a qualquer custo, mais mentira e negação. Bolsonaro insiste no voto impresso, colocando em dúvida a lisura das urnas, agredindo a democracia. Uma vacina para um provável revés na disputa de 2022.

Negacionismo não é ideologia. É caso pensado, opção pela mentira. Um escudo para esconder a incompetência. Pode ou não dar resultados para os governantes da vez. Na Hungria, Viktor Orbán continua impávido; na Venezuela, Nicolás Maduro, ainda que claudicante, se mantém. Nos Estados Unidos, Trump se lascou. Em todos os casos, negacionistas e suas intenções nefastas danificam cruelmente os seus países. É imperativo impedi-los.

Mary Zaidan é jornalista 

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