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Nações desunidas (por Marcos Magalhães)

Lula repetirá as prioridades de um país emergente à busca de maior protagonismo

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Um mundo fraturado por desconfianças e conflitos acompanha nesta terça-feira o discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, a ser apresentado – como manda a tradição – pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Diante do plenário mais plural do planeta, Lula repetirá as prioridades de um país emergente à busca de maior protagonismo: combate à pobreza, proteção ao meio ambiente e maior representatividade dos órgãos de decisão da organização.

Os mecanismos adotados há quase oito décadas para a solução de conflitos, deve repetir o presidente, estão longe dos necessários para a governança de um mundo tão diferente.

Sua principal crítica está ligada à composição do Conselho de Segurança da ONU, que ainda tem como membros permanentes – e com direito a veto – as cinco potências vencedoras da II Guerra Mundial – Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.

O antigo colegiado ainda soa representativo do mundo neste início de século 21? Para poucos, talvez. Mas reiterar a necessidade de mudança pouco moveu o debate até agora. A ampliação do conselho tem muitos simpatizantes, mas poucas chances imediatas.

Como compor o novo colegiado? Que regiões estariam representadas – e por quem? Como solucionar as disputas em cada região por uma vaga? E como tranquilizar alguns dos atuais membros diante da ascensão de antigos rivais?

As perguntas se repetem quando o mundo se vê diante de dois conflitos potencialmente muito perigosos: no Oriente Médio e na Ucrânia. Em ambos os casos, o direito de veto de cada um dos cinco membros permanentes do conselho mantém a ONU de mãos atadas.

A atual ofensiva de Israel contra o grupo Hezbollah, no sul do Líbano, já causou a morte de 356 pessoas, entre as quais 24 crianças. Na Faixa de Gaza, o número de mortes já alcançou 40 mil, desde os ataques terroristas do Hamas no sul de Israel em outubro de 2023.

Na Ucrânia, a guerra parece não ter fim à vista. O presidente do país, Volodymir Zelensky, levou a Washington no final de semana seu “plano de vitória” contra as forças russas que ocuparam parte do país. Quer apresentá-lo ao presidente Joe Biden e aos dois candidatos à Casa Branca nas eleições de novembro: Donald Trump e Kamala Harris.

Enquanto não se definir o futuro político dos Estados Unidos, pouco se saberá sobre uma possível solução para o conflito. Até o momento, também tiveram pouco êxito as saídas diplomáticas apresentadas ao Conselho de Segurança.

A tudo isso acrescente-se a mais nova onda do conflito Norte-Sul nos debates em andamento sobre o financiamento das ações necessárias à contenção da mudança climática, cujo passo está bem mais acelerado que o da construção de consensos.

A busca de soluções, no entanto, ainda tem seus adeptos.

Dois dias antes da abertura da Assembleia Geral, a ONU aprovou – por iniciativa do secretário-geral, António Guterres – o Pacto para o Futuro, um conjunto de 56 medidas, nas suas palavras, para “enfrentar os maiores desafios de nosso tempo”.

São medidas não obrigatórias adotadas por consenso, apesar de ressalvas de países como Rússia, Venezuela e Nicarágua. Segundo os céticos, apenas intenções. Para os esperançosos, iniciativas que estão no caminho correto.

Entre elas, a reforma do Conselho de Segurança, para torná-lo mais representativo, inclusivo e transparente. O texto sugere a correção de “injustiça histórica” contra a África e a maior presença de regiões não representadas ou subrepresentadas, como Ásia Pacífico e a América Latina e o Caribe.

A própria questão do veto, que muitas vezes inibe decisões, é considerada no pacto como um “elemento chave” para a reforma do Conselho de Segurança. “Vamos intensificar esforços para obter um acordo sobre o futuro do veto, incluindo discussões sobre limites à sua abrangência e ao seu uso”, anuncia o texto.

O Pacto para o Futuro prevê ainda medidas “ambiciosas” para implementar a Agenda 2030 e alcançar as metas de desenvolvimento sustentável, além de colocar a erradicação da pobreza no centro das atenções e de prometer acabar com a fome no mundo.

Mais palavras vazias? As primeiras notícias sobre a aprovação do texto foram recebidas com ceticismo por observadores internacionais, que esperavam decisões mais afirmativas e mais próximas de se tornar realidade.

Se há distância entre intenção e gesto, como dizem os críticos, também será difícil negar que as propostas aprovadas carregam uma boa dose de bom senso, em um mundo maltratado por guerras e pela ameaça de uma grave crise climática.

Esse mundo também é cada vez mais marcado por ambições nacionais em conflito e cada vez menos por iniciativas de cooperação. Os realistas dirão que é isso aí, que o cenário global é marcado pela anarquia e por nações que buscam seus interesses.

À direita e à esquerda ainda prevalece a visão de que os dois grandes blocos antagônicos – o ocidental e o liderado por China e Rússia – devem mesmo prosseguir na luta por hegemonia. O Ocidente tenta conter o que vê como ameaça. E o Oriente celebra o caminho para o estabelecimento de uma ordem multipolar.

Muito bem. Vista a partir do Hemisfério Sul, porém, essa competição parece deixar de lado algumas questões fundamentais lembradas pelo Pacto do Futuro, como o combate à fome, à pobreza e à mudança climática.

Pode ser que as palavras do texto se percam nas manchetes de um mundo marcado por conflitos e desconfianças. Mas a velha ONU pelo menos tenta se atualizar.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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