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Musk, concorrente a rei do mundo (por Felipe Sampaio)

Cada época tem seu pretendente a imperador do planeta

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Elon Musk e STF, em montagem -- Metrópoles
1 de 1 Elon Musk e STF, em montagem -- Metrópoles - Foto: Arte/Metrópoles

Cada época tem seu pretendente a imperador do planeta. Foi assim com Dario da Pérsia, Alexandre O Grande, os Césares romanos, o mongol Genghis Khan, os Papas medievais, Napoleão, Hitler e os presidentes americanos do pós-guerra.

Com diferentes formas de governo, culturas e propósitos, todos eles tinham algo em comum: o estofamento de seus tronos guardava algum modelo de Estado. Nem os mais entusiasmados ultraliberais e anarcocapitalistas abriram mão de um poder governamental constituído, pelo menos até agora.

A novidade é que o novo candidato a dono do mundo idealizou um projeto político supraestatal sem precedentes. O empresário Elon Musk instalou seu palácio nas nuvens (digitais, é claro), de onde encena uma opereta antigoverno. Na verdade, vai além disso, se posicionando como uma “Matrix”, superior às soberanias nacionais. Outras multinacionais proprietárias das chamadas redes sociais e outros aplicativos se organizam da mesma forma.

Há alguns meses, o presidente Lula cantou a bola de que as denominadas redes sociais não passam de redes digitais. Na mesma direção, o ex-presidente FHC escreveu que “podemos estar mais conectados, no entanto, estamos menos integrados” (Cartas a Um Jovem Político). Ambos atentos ao conceito de modernidade líquida, sugerido anteriormente pelo polonês Zigmunt Bauman.

Até poucos anos definia-se como sendo ‘redes sociais’ as teias de articulação da sociedade civil que debatiam justiça social, meio ambiente ou políticas públicas, por exemplo. A expressão ‘redes sociais’ vem sendo distorcida pelo jargão da internet, confundindo a integração social transformadora com uma mera conexão comunicativa.

Assumir-se como rede social contribuiu para conferir uma aura ultrademocrática às redes digitais. Um ambiente aparentemente livre dos limites cafonas do Estado e da Justiça. Eventos como a primavera árabe acabaram reforçando uma impressão equivocada de que a liberdade plena agora só existe com o twitter, instagram, facebook, telegram ou até o Uber. O mesmo pôde ser visto em outras manifestações desde o Capitólio ianque até o 08 de janeiro aqui na Ilha da Vera Cruz.

Esses canais, parecem ser um espaço aberto, mas não são um ambiente público, tampouco iniciativas coletivas da sociedade. Não são redes sociais. São empresas privadas, com fins lucrativos. E têm um dono que pode tirar o plug dessa suposta democracia da tomada (ou mesmo manobrá-la) ao sabor dos seus interesses comerciais. Musk brinca de Zorro digital com o STF brasileiro, mas convive amigavelmente com ditaduras onde for lucrativo.

As corporações digitais superam o velho conceito de oligopólio, temido por concentrar o controle de um determinado setor econômico. As redes digitais concentram o acesso a inúmeras cadeias de diferentes atividades, funcionando como hub ports de segmentos até então independes, como imprensa, cinema, bancos, serviços públicos, telefonia, segurança, defesa, energia, armazenamento de dados, internet das coisas, e-commerce, entre outros.

Tudo isso ao alcance do botão off na mesa do dono. Se a ilustração parece distópica, veja o que acontece no mundo inteiro toda vez que o whatsapp sai do ar por alguma pane técnica.

Não podemos confundir os fundamentos da democracia com as facilidades de distribuir selfies ou convocar passeatas de fim de semana. É preciso revigorarmos as formas reais de organização social (sistêmica e orgânica), de modo que o botão liga-desliga permaneça nas mãos da sociedade e do Estado de direito.

 

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; foi diretor do SINESP no ministério da justiça; chefiou a assessoria dos ministros da Defesa e da Segurança Pública; ex-secretário executivo de segurança urbana do Recife.

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